As cooperativas dos diferentes ramos sempre se notabilizaram, especialmente no Brasil e em países menos desenvolvidos, por atuarem no meio rural ou então junto a comunidades mais distantes e desatendidas. Sempre com o papel de atuar na solução das necessidades de seus associados, vemos os princípios do cooperativismo presentes desde pequenas cooperativas até grandes cooperativas, seja em uma cooperativa de recicladores de lixo ou em uma grande cooperativa agropecuária, como a Coamo de Campo Mourão/PR, que é a maior cooperativa agropecuária da América Latina. Nesta diversidade de cooperativas um dos assuntos recorrentes nas reuniões com associados é a necessidade de uma cooperativa gerar ou não resultados excedentes, ou sobras.
Inicialmente é importante conceituar o termo sobras, que equivale ao lucro das empresas capitalistas.
As sobras advém do resultado da subtração entre receitas geradas pela cooperativa com os negócios transacionados com seus associados e os desembolsos da cooperativa pra fazer frente às despesas geradas pela operação da empresa cooperativa. Pressupõe que a cooperativa somente deveria gerar receitas suficientes pra cobrir as despesas inerentes às atividades relacionadas ao seu objeto social. Ao final do exercício, se “sobrasse” algum recurso, este deveria ser devolvido para os associados e/ou direcionados para os fundos estatutários.
Então, como se explica a busca pelo resultado positivo, lucro ou sobras, nas cooperativas de crédito?
Peter Drucker diz:” O lucro não é a explicação, a causa nem a razão para o comportamento das empresas e as decisões das empresas, mas o teste de sua validade. (…) Uma empresa só pode fazer uma contribuição social se for altamente lucrativa”.
Já Walter Longo argumenta que uma empresa não pode pensar no verde (sustentabilidade) se estiver no vermelho (prejuízo).
Bill Gates criou importante fundação que leva seu nome atuando em causas nobres, inclusive com muito protagonismo no combate à pandemia do coronavírus, mas não antes de consolidar a Microsoft na gigante que é hoje.
“Um negócio que não produz nada além de dinheiro é um negócio pobre”, frase de Henry Ford.
No livro “Empresas que curam”, Raj Sisodia defende: “Enfatizamos que essas empresas que curam são mais lucrativas porque acreditamos que o lucro é um bem social. É uma irresponsabilidade social uma empresa não ser lucrativa; uma sociedade livre não pode funcionar sem empresas lucrativas. A busca pela riqueza alimenta a criatividade, a inovação e o empreendedorismo”.
Baseado nestes exemplos, quem em sã consciência se manteria como sócio de uma empresa que sempre se mostra deficitária?
Temos que partir da premissa que o resultado ou lucro não é o problema, é a solução. O que temos que nos questionar é como geramos este resultado e o que fazemos com ele. O resultado que geramos é íntegro, é baseado em trocas justas e voluntárias, é formado por negócios conscientes? O resultado é todo concentrado na mão de poucos, ou existem mecanismos de distribuir esta riqueza entre os geradores da mesma, ou de aplicar parte deste resultado na melhoria de todo o ecossistema? Se sim pra essas perguntas, quanto mais resultado, melhor.
O exponencial crescimento econômico e tecnológico testemunhado por todos nos últimos 40 anos só foi possível por conta de fartos investimentos em pesquisa, inovação, novos negócios, novos mercados. Estes investimentos, em boa parte foram privados, e só foram possíveis pois houve geração de caixa (lucro) em algum momento. E porque estas empresas investem pensando em ter resultado ou lucro, o que é perfeitamente natural e necessário.
Não haveria o atual presente desenvolvido se não tivesse ocorrido resultado positivo no passado. E não haverá um futuro melhor se as empresas no presente não obtiverem resultado.
Quando pessoas com interesses em comum criam uma cooperativa, qual é seu objetivo, além de acessar produtos e mercados com preços competitivos que isoladamente não conseguiriam?
Ter vantagem econômica, de forma direta via preço, e de forma indireta via rentabilidade positiva de uma empresa cooperativa bem gerida. Então, não pode ser pecado que cooperativas busquem a maximização de seus resultados positivos.
Tanto que há guarida para as sobras em vários direcionadores estratégicos do movimento cooperativo. Vejamos.
O 7º princípio universal do cooperativismo fala sobre o compromisso com a comunidade. Como uma cooperativa pode expressar seu compromisso com a comunidade?
As cooperativas de crédito da Alemanha, lá chamadas de “Volksbank”, se posicionam como “bancos locais”, com forte identificação regional e possuem inúmeras ações regionais, inclusive com a criação de asilos geridos pela própria cooperativa para acolher associados idosos. De onde vem o recurso para esta iniciativa? Certamente do resultado positivo da cooperativa.
O 3º princípio do cooperativismo é a participação econômica dos membros, que consiste em participar do capital da organização, mas também permite a remuneração do mesmo. Como remunerar um capital investido, senão com a geração de resultado positivos?
O capítulo VII da Lei 5764/71 obriga a constituições de fundos de reservas nas cooperativas. Como constituir reservas, sem os resultados gerados?
O Estatuto Social de uma cooperativa disciplina a destinação das sobras apuradas, bem como cita sobras em diversos artigos. Então há previsão estatutária para sobras.
Talvez a única diferença, e talvez aí esteja a solução para o dilema “cooperativismo X resultados, é que nas cooperativas o resultado é meio e não fim. O fim é social, pois financiam a remuneração do capital social, constituem os fundos estatutários com finalidade social, permitem a distribuição de sobras e ainda possibilitam a recompensa do colaborador via participação nos resultados. Mas principalmente, disponibilizam recursos para serem investidos em programas sociais carregados de méritos para melhorar a vida das pessoas e das comunidades onde as cooperativas atuam.
Por isto acreditamos que “na cooperativa os números têm alma” e reforça nossa crença de que cooperativas ajudam a construir um mundo melhor.
Concluindo, o que levaria uma pessoa a permanecer associada a uma cooperativa se esta não tivesse sobras, operasse com preços iguais ou maiores que o mercado, não interagisse e beneficiasse a comunidade, não tivesse reservas para o futuro?
Solon Stapassola Stahl