“O todo é maior que a simples soma das suas partes”. (Aristóteles – princípio geral do holismo)
A autonomia das instituições financeiras cooperativas, traduzida pela liberdade de fazer escolhas, tanto no campo político-societário como na seara operacional, deve ser vista como um verdadeiro axioma, uma vez que a responsabilidade principal pelo destino do empreendimento mutualista cabe aos cooperados e seus representantes imediatos. Assim, é justo que, em qualquer caso, lhes assista a prerrogativa de definir os rumos da sociedade.
Esse direito imagina-se absoluto quando os donos do empreendimento cooperativo resolvem seguir carreira solo. É o caso das cooperativas ditas “solteiras”, não filiadas sistemicamente, normalmente vinculadas a empresas ou grupos econômicos instituidores, ou, ainda, daquelas que desempenham o papel de correspondentes de instituições financeiras oficiais.
Contudo, mesmo em tais situações, embora não sujeitas a diretrizes estabelecidas no âmbito de entidades cooperativas de segundo ou terceiro níveis, as cooperativas não filiadas submetem-se muitas vezes a injunções das entidades patrocinadoras ou dos bancos contratantes de seus serviços (quando funcionam correspondentes), que ditam as condições de funcionamento, restringindo sobremaneira o campo de ação da administração e dos cooperados.
A equivocada impressão de liberdade incondicional tem levado algumas cooperativas, sejam elas singulares ou centrais, a desfiliar-se, e outras, a resistir à filiação.
Se nesse pequeno universo já há desafios de convivência e dúvidas quanto ao poder de autodeterminação das partes, imagine-se no grande contingente de cooperativas reunidas em torno de sistemas integrados de dois ou três níveis. É natural que, nesse caso, a composição institucional conduza ao sentimento de limitação do protagonismo individual.
Tendo sua raiz na Lei Cooperativista, que data de 1971, esse modelo de verticalização, inaugurado nos anos 1980 com a fundação das primeiras centrais, vem sendo praticado mais intensamente a partir da segunda metade dos anos 1990, especialmente com a criação das confederações e dos bancos cooperativos. Trata-se, portanto, de uma caminhada não muito longa, percurso no qual, todavia, processos e desenhos estruturais puderam ser (e continuam sendo) aperfeiçoados para o melhor aproveitamento possível das vantagens potenciais da comunhão intercooperativa.
O fortalecimento sistêmico pela prática da cooperação intra e também interbandeiras é medida imprescindível para as cooperativas ampliarem o seu protagonismo na indústria financeira, ou simplesmente manterem-se no mercado. A (ainda) elevada concentração bancária, a presença cada vez mais relevante dos desafiadores heterodoxos e os recorrentes movimentos de cooperação entre as grandes instituições financeiras brasileiras, tornam imperiosa a união intercooperativa.
Aliás, não é de hoje que o Banco Central do Brasil (BCB) incentiva os agentes do sistema financeiro – cooperativas incluídas – a racionalizar as suas estruturas e otimizar seus investimentos, melhorando a sua eficiência operacional em benefício dos usuários de seus serviços. A esse propósito, veja-se a conclusão, ainda em maio de 2005, do diagnóstico conduzido pela autarquia sobre o sistema de pagamento de varejo no Brasil: “Fundamentalmente, foi observado que a baixa cooperação entre instituições financeiras, prestadores de serviços de pagamento, e sistemas de liquidação, com diversas estruturas de governança, gera um arranjo fragmentado, que não aproveita as economias de escala, presentes nos serviços de redes que essas infraestruturas oferecem. Além disso, esse modelo de governança com baixa cooperação, pode prejudicar a inovação e o estabelecimento de padrões de interoperabilidade e de racionalização dos investimentos.”
Mais recentemente, ao referir-se especificamente às cooperativas financeiras, o BCB proferiu o seguinte diagnóstico (seguido de alusão a oportunidades para melhorá-lo): “A eficiência operacional é, sem dúvida, uma das principais dificuldades a serem enfrentadas pelo segmento. Há boas oportunidades para melhora dos indicadores, seja por meio dos ganhos de escala a serem gerados no processo de consolidação por que passa o segmento, dos avanços tecnológicos e da intercooperação; seja por meio de outros esforços no sentido de conter a expansão dessas despesas e, assim, melhorar a eficiência.” (Banco Central do Brasil, Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo. Data-base dezembro/2018).
É nessa direção, enfim, que apontam os postulados contemporâneos de economia e administração, e também se revelam as práticas empresariais mais exitosas.
A propósito, os melhores exemplos do virtuosismo cooperativo ao redor do mundo são justamente os modelos baseados em arranjos sistêmicos, como são os casos da França, Alemanha, Holanda e Canadá, entre outros. Por sinal, foi ali, tomando por referência a verticalização organizacional, que o cooperativismo financeiro brasileiro se inspirou para a sua reconstrução na década de 1980, sob os auspícios de Mário Kruel Guimarães, então presidente da Cooperativa Central de Crédito Rural do Rio Grande do Sul – Cocecrer/RS.
(*) Artigo baseado em conteúdos sobre o tema dos livros Cooperativismo financeiro: virtudes e oportunidades. Ensaios sobre a perenidade do empreendimento cooperativo, e Cooperativismo financeiro na década de 2020: sem filtros!, do mesmo autor (Confebras, 2016 e 2020, respectivamente)