Na contramão de instituições financeiras tradicionais, cooperativas de crédito seguem expandindo a rede de atendimento físico e ainda são destaque no atendimento digital.
Depois de perder o marido, em 2018, a educadora Marta Regina Mafra Ferreira, 43 anos, saiu das salas de aula e assumiu os negócios da família: uma mercearia na pequena cidade de Taparuba, no interior de Minas Gerais. Sem nenhum contato prévio com o comércio, ela relembra que os difíceis primeiros meses foram superados com a ajuda e o apoio de uma cooperativa de crédito – a única instituição financeira na cidade de 3,1 mil habitantes.
“No início, eu me senti perdida e busquei apoio em uma cooperativa de crédito, que me ajudou com questões básicas e pequenas, mas que foram essenciais naquele momento”, relembra a empresária.
Com o passar dos anos e a proximidade com a instituição e os funcionários, Marta afirma sentir-se parte “da família”. “Eu me sinto uma pessoa importante quando vou à cooperativa. Lá, sou tratada de igual para igual, não tem empecilho, não tem burocracia. A gente acaba formando uma grande família. Eles me fazem sentir em casa e cuidam da parte financeira da minha empresa”, afirma.
A empresária destaca que já teve experiências com outras instituições financeiras, mas que o tratamento, a receptividade e a educação dos funcionários da cooperativa fazem toda a diferença.
Ela também relembra a dificuldade no período em que o município não tinha pontos de atendimento para serviços financeiros.
“Quando meu marido era vivo, tive de ficar inúmeras vezes no mercado para que ele pudesse se deslocar até a cidade vizinha para pagar um boleto ou pegar um talão de cheque. Era um entrave muito grande. Tinha de pegar carro, ônibus, moto e deslocar mais de 20 quilômetros para resolver algo simples. Hoje, eu não enfrento esse problema. Quando eu quero pagar uma conta, tirar uma dúvida ou ouvir uma proposta financeira, eu saio do meu comércio e eu vou andando até a cooperativa.”
A dificuldade com os serviços financeiros que o marido de Marta enfrentou é semelhante à de muitos habitantes de pequenas cidades no Brasil. Em aproximadamente 5% dos municípios brasileiros, as cooperativas financeiras são as únicas instituições fisicamente presentes para o cidadão que precisa ter acesso a serviços bancários. Na contramão dos bancos tradicionais que têm diminuído a rede de atendimento física, o cooperativismo tem estado cada vez mais perto de quem precisa.
Nos últimos sete anos, o Brasil perdeu 5,8 mil agências bancárias. Atualmente, o país conta com 17.348 agências, uma queda de 25% em relação às 23.154 existentes em 2015, o maior número já registrado pelo Banco Central. No mesmo período, as cooperativas de crédito dobraram os postos de atendimento. Saíram de 4.312, em março de 2015, para 8.593, em julho de 2022 – uma alta de 99,3%.
Sem abrir mão do avanço tecnológico e da digitalização dos serviços, as cooperativas de crédito têm apostado cada vez mais no atendimento presencial e na proximidade com os cidadãos.
“As cooperativas ajudam na promoção da cidadania financeira com a presença em comunidades mais remotas e auxílio, principalmente, ao pequeno negócio”, avalia o diretor de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob, Ênio Meinen. “Há uma ação forte dos bancos de fechamento de unidades físicas. As cooperativas vão lá e cobrem essa ausência com muita efetividade”, completa.
Atualmente, o Sicoob conta com 4.018 pontos de atendimento, superando, inclusive, o Banco do Brasil que tem 3.984 agências, segundo dados do Banco Central. Desde 2020, o Sistema Sicoob já abriu 690 postos e pretende entregar mais 100 ainda este ano.
“Com as cooperativas, o aposentado, o trabalhador, o pequeno empreendedor não precisa sair de uma localidade menor e se deslocar até uma outra localidade para buscar o atendimento financeiro. Além do deslocamento, isso significa também drenar riqueza para fora das comunidades menores e aumentar a concentração de riqueza em média nos grandes centros urbanos.”
O coordenador do Ramo Crédito do Sistema OCB, Thiago Borba, reforça o papel das cooperativas no atendimento diferenciado aos associados e na inclusão financeira de milhares de pessoas. “Com condições mais adequadas à realidade financeira dos seus cooperados, as cooperativas de crédito garantem ao seu quadro social um atendimento personalizado e de alta qualidade, exercendo um papel estratégico na inclusão e educação financeira de milhões de pessoas em todo o país”.
Propósito do cooperativismo
Para o superintendente da Fundação Sicredi, Romeo Balzan, oportunizar acesso a serviços financeiros para cidadãos de municípios menores e distantes de grandes centros urbanos faz parte do propósito do cooperativismo de construção de uma sociedade mais próspera. Além disso, a presença de uma cooperativa de crédito estimula o empreendedorismo local.
“Um estudo recente mostrou que as cooperativas conseguem operar em cidades com PIB [Produto Interno Bruto] a partir de R$ 79 milhões, enquanto para os bancos públicos é necessário um PIB mínimo R$ 146 milhões e para um banco privado, R$ 220 milhões. Além disso, a presença de uma cooperativa de crédito incrementa o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos municípios em 5,6%, cria 6,2% mais vagas de trabalho formal e aumenta o número de estabelecimentos comerciais em 15,7%, estimulando, portanto, o empreendedorismo local”, reforça Balzan.
Justiça financeira
Além de disponibilizar ao usuário todos os serviços e produtos de um banco tradicional, o cooperativismo financeiro tem, na avaliação de Meinen, diversos atrativos que medem sua relevância e impacto. O primeiro deles diz respeito à regulação de mercado, com preços mais atrativos e um relacionamento diferenciado com o cooperado – o que força outras instituições financeiras a uma mudança de comportamento positivo.
“A cooperativa oferece para os seus usuários todos os produtos e serviços de qualquer outra instituição financeira. Mas com uma precificação mais convidativa, eu diria mais justa, e com um relacionamento diferenciado. Dado que a gente tem uma relação com o dono do empreendimento e não apenas com um cliente, como é o caso dos bancos, as cooperativas acabam gerando uma repercussão também na forma de atuação dos competidores”, avalia.
Ênio Meinen, do Sicoob, acrescenta: as cooperativas de crédito ajudam, ainda, na promoção da justiça financeira, com taxas de juros mais adequadas e maior remuneração dos investimentos. Ele lembra que as coops não visam lucro e, por isso, parte do que é conquistado é dividido entre os cooperados em forma de sobras.
Para o superintendente da Fundação Sicredi, apesar de ter o mesmo portfólio dos bancos, os produtos financeiros não são a atividade fim do modelo de negócio cooperativo. “As soluções financeiras são o instrumento para que possamos levar desenvolvimento econômico e prosperidade aos associados, suas famílias e comunidade em geral. Todo o resultado do Sicredi pertence aos associados, e parte desse resultado apoia o desenvolvimento de inúmeros programas e iniciativas sociais e culturais, gerando um impacto positivo relevante na sociedade”, afirma.
“As cooperativas de crédito têm um interesse genuíno na geração de prosperidade para as pessoas e comunidades e buscam estar integradas a elas, não oferecendo só as soluções financeiras que se conectem com suas características, como também se engajando em suas demandas sociais por meio de programas educacionais”, completa Balzan.
Crescimento
Em junho de 2022, segundo dados do Banco Central, o cooperativismo de crédito reunia 15,8 milhões de cooperados, um aumento de 13% em relação ao número registrado no mesmo período no ano anterior (jun-21), de 13,9 milhões de associados — dado este proveniente do AnuárioCoop 2022 – Dados do Cooperativismo Brasileiro 2022, o censo das cooperativas feito pelo Sistema OCB.
Nos dois primeiros meses da temporada do Plano Safra 2022/2023, as cooperativas de crédito desembolsaram R$ 15,5 bilhões em financiamentos rurais, um aumento de 11% em relação ao bimestre inicial do ciclo passado, e superaram o desempenho dos bancos privados em volume de recursos emprestados aos agricultores via sistema financeiro – sem contabilizar as emissões de títulos do agronegócio. Assim, ficaram atrás apenas das instituições públicas, lideradas pelo Banco do Brasil.
Além disso, cooperativismo brasileiro tem a terceira maior operação de consórcios do Brasil em volume de recursos administrados e a quarta maior operação em volume de cotas ativas.
“A operação de consórcio das cooperativas é a que tem, de longe, a menor taxa de administração, que equivale aos juros de uma operação de crédito, o menor índice de inadimplência e o menor nível de desistência de consorciados. Essa é uma informação importante que mostra que o cooperativismo realmente tem uma abordagem diferente com seus usuários. Não é uma venda forçada para cumprir metas. É uma venda de consórcio por necessidade”, reforça Meinen, do Sicoob.
As cooperativas são ainda instituições locais engajadas territorialmente o que faz com que elas se preocupem, também, com a geração de trabalho nas comunidades em que se situam. De acordo com AnuárioCoop 2022 – Dados do Cooperativismo Brasileiro 2022, as cooperativas de crédito empregavam 90 mil pessoas em todo o Brasil até o ano passado.
Compartilhamento
Enquanto, nos bancos, o lucro é a essência do modelo de negócios, no cooperativismo de crédito, as pessoas não são correntistas, mas sim associadas e proprietárias das cooperativas, com direito a voto nas decisões por meio das assembleias e participação na distribuição dos resultados proporcionalmente aos negócios realizados. Essas são as chamadas sobras, um dos grandes diferenciais do modelo de negócios cooperativista.
“Na cooperativa nós temos o compartilhamento, com o usuário, da propriedade, do capital, da gestão e do resultado. Sabe quando a gente fala de economia compartilhada? Cooperativismo é um exemplo genuíno típico de economia compartilhada”, garante o executivo do Sicoob.
Fonte: g1.com