Cooperativismo Financeiro uma história com propósito

Mitigando o desafio do desconhecimento, por Márcio Port

“Qual o maior concorrente do cooperativismo?
O desconhecimento.”

Há alguns anos, em 2014, um aluno da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) de Porto Alegre desenvolveu um trabalho que tinha como objetivo analisar o valor percebido da marca Sicredi junto aos seus associados. Para ele, causava espanto o fato de que repentinamente surgiram agências do Sicredi por toda a parte do estado, ocupando espaços que, até então, não contavam com o atendimento de uma cooperativa. Este movimento, de abertura de agências já vinha acontecendo há anos, mas concentrado principalmente em pequenas cidades, notadamente naquelas com maior vocação para o agronegócio. Foi o advento da livre admissão de associados, a partir de 2003, que fez com que as cooperativas passassem a atuar com mais intensidade também no mercado urbano e em cidades maiores. Apesar de ter sido um avanço gradativo, este crescimento chamou a atenção do aluno.

Por ocasião do desenvolvimento de seu trabalho, ele entrevistou diversas pessoas, das mais variadas entidades do Sicredi: cooperativas singulares, cooperativa central e banco cooperativo, além da agência de publicidade que atendia o Sicredi. Uma das entrevistas, no entanto, foi especial. Ao entrevistar um associado, que também era coordenador de núcleo da Sicredi Pioneira RS, surgiu uma resposta que, para mim, causou grande reflexão e a partir dali passei a propagar aquela reflexão para todas as pessoas com que eu tive contato.

A pergunta feita pelo entrevistador foi: qual o maior concorrente do cooperativismo, ou do Sicredi? A resposta natural poderia ter sido: os bancos, o sistema financeiro tradicional ou mesmo as fintechs. Mas não, a resposta dada pelo associado foi: o desconhecimento, ou, a desinformação. E o associado esclareceu: se as pessoas soubessem que uma cooperativa tem todos os produtos e serviços bancários e que adicionalmente traz impactos positivos para as comunidades em que atua, que distribui as sobras ou resultados entre os associados, que tem um modelo de gestão democrático, que atua em muitos municípios em que os bancos não estão presentes, que apoia e desenvolve projetos sociais e educacionais, dentre outros diferenciais, dificilmente alguém escolheria ser apenas cliente de um banco. Concluiu dizendo que é o desconhecimento que faz com que mais pessoas não se associem a uma instituição financeira cooperativa.

Esta resposta me causou profunda reflexão.


Cooperativismo Financeiro uma história com propósito

Este é o capítulo de abertura do livro:

“Cooperativismo Financeiro, uma história com propósito”. Saiba mais clicando aqui.

 


Mitigando o desafio do desconhecimento

Iniciei no cooperativismo financeiro em 1992, aos 19 anos, na primeira de todas as cooperativas de crédito da América Latina, a Sicredi Pioneira RS, então chamada de Cooperural, sediada em Nova Petrópolis/RS. Lembro que não se enaltecia, naquela época, que se tratava de uma cooperativa e este posicionamento permaneceu assim por muitos anos. As assembleias contavam com baixíssima presença de associados, quando muito 15 ou 20 pessoas, considerando neste número os estatutários e os poucos colaboradores da cooperativa. As sobras ou resultados eram baixos, tendo sido um período de grandes dificuldades financeiras e adversidades no marco regulatório.

O próprio fato de a Sicredi Pioneira RS ser a mais antiga cooperativa de crédito da América Latina não era difundido naquele momento. Foi apenas em 2002, por ocasião do centenário da cooperativa que passou a haver uma maior preocupação em contar a história da Pioneira e destacar que era uma cooperativa. Na ocasião, houve um fato curioso que remete ao desconhecimento que havia na hoje chamada Capital Nacional do Cooperativismo. Quando as discussões que tinham como objetivo erguer o monumento “A Força Cooperativa”, localizado na praça central de Nova Petrópolis, houve um movimento contrário a edificação do monumento. A pergunta que algumas pessoas da comunidade faziam era: por qual motivo o Sicredi terá um monumento na praça se outras instituições financeiras não o tinham? Chegou-se inclusive a realizar uma reunião mediada pela Promotoria Pública para discutir o assunto. Após esclarecida a situação, com muitos argumentos e resgatando a história centenária da cooperativa, a edificação do monumento foi autorizada.

Este registro é importante para ilustrar o como é recente o discurso de que o cooperativismo financeiro é uma alternativa ao sistema financeiro tradicional e, por conta disto, é muito atual a resposta do desconhecimento como sendo o maior concorrente do cooperativismo.

Destes 30 anos que atuo no cooperativismo financeiro, tenho a tranquilidade de dizer que nos primeiros dez anos não percebia nada de especial na atuação da cooperativa, até porque os diferenciais não eram destacados à época. Era como se fosse uma empresa como outra qualquer, um bom local para se trabalhar, que vinha crescendo ano após ano e que por conta disto propiciava aos colaboradores a oportunidade de crescer na carreira. Felizmente, atualmente o discurso do cooperativismo está muito mais difundido e para os novos colaboradores de cooperativas existem vários formatos de integração, buscando reduzir em muito esse tempo de ambientação e imersão na causa cooperativista. Afinal, se os colaboradores não viverem e perceberem o cooperativismo no dia a dia, será difícil que os associados percebam. Os colaboradores são o elo entre a empresa cooperativa e o associado que é dono desta empresa.

O gosto pela história do cooperativismo, adquirido na Sicredi Pioneira RS, me levou a querer conhecer a história do ressurgimento das cooperativas em 1980, momento da fundação da Central Sicredi Sul/Sudeste, entidade na qual atualmente atuo e da qual eu desconhecia a riqueza de detalhes do projeto idealizado por Mário Kruel Guimarães. Assim como o Padre Theodor Amstad foi importante para a fundação das primeiras cooperativas a partir de 1902, também Mário Kruel deixou seu importante legado nos anos 80 e busquei conhecer também essa história.

Nosso grande líder, Roberto Rodrigues, cuja trajetória e importância será destacada neste livro, também nos faz refletir sobre este tema do desconhecimento. Ele afirma que somos bons de falar do cooperativismo entre nós mesmos, mas temos dificuldade de falar para quem ainda não nos conhece. Esta reflexão nos remete à necessidade de falarmos mais sobre o cooperativismo, trazendo exemplos e comparações, de forma a transmitir uma melhor compreensão do modelo de atuação e de transformação propiciado por uma cooperativa.

Existe ainda outro aspecto que está presente neste livro e que é muito importante. O cooperativismo tende a se tornar uma filosofia de vida para as pessoas que se vinculam a ele. Isto porque o cooperativismo tem uma causa, um propósito, uma razão de existir. O cooperativismo propicia transformação econômica e social, ele não é um fim em si mesmo, ele é um meio.

Simon Sinek, escritor e criador do conceito do Círculo Dourado, esclarece que as pessoas só irão se dedicar de corpo e alma a um movimento, ideia, produto ou serviço, se compreenderem o verdadeiro propósito por trás deles. Segundo ele, as pessoas não compram “o que você faz”, elas compram o porquê você faz”. Você perceberá o que está por trás do cooperativismo ao ler a história do surgimento das primeiras cooperativas na Europa. É uma história emocionante, recheada de propósito.

Roberto Rodrigues também fala do propósito. Ele afirma que precisamos dar um significado para nossas vidas e que entende que estamos neste mundo para construir um mundo melhor, ensinando tudo o que sabemos para outras pessoas. Porém, destaca ele, para podermos ensinar algo, primeiro precisamos aprender, dando origem ao que ele chama de círculo virtuoso da vida: “estamos aqui para aprender, para ensinar, para construir um mundo melhor”.

Este é o objetivo deste livro, propiciar o conhecimento e o aprendizado para que possamos juntos construir um mundo melhor, por meio da cooperação e do cooperativismo.


Este é o capítulo de abertura do livro: Cooperativismo Financeiro, uma história com propósito”. Saiba mais clicando aqui.


Márcio Port é o atual Presidente da Central Sicredi Sul/Sudeste. Em 2008 deu origem ao Portal do Cooperativismo Financeiro e é co-autor dos livros “O Cooperativismo de Crédito, ontem, hoje e a amanhã”, publicado em 2012, e “Cooperativismo Financeiro, percurso histórico, perspectivas e desafios”, publicado em 2014.

2 Comentários

  1. Muito boa a Leitura. Recomendo demais.

  2. Excelente, Márcio! Aos poucos o movimento vai-se aproximando da sociedade (tornando-se mais conhecido), dada a maior amplitude e precisão de suas ações de difusão mais recentes. Tenho certeza que, doravante, com algum esforço adicional de comunicação, agregado à expressiva expansão da presença física, a proposta de valor do cooperativismo financeiro estará disseminada por todo o território nacional.

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