Uma das muitas questões causadoras de dúvidas para os administradores de cooperativas de crédito é saber se esse tipo societário pode ou não implantar programa de participação nos resultados (PPR) para contemplar seus empregados.
O assunto, como é sabido, é antigo e ainda pendente de uma solução definitiva, notadamente por contar com um número significativo de autoridades administrativas que são contra a implantação desse importante benefício para os trabalhadores das cooperativas de crédito.
As cooperativas, em geral, podem, sim, implantar programas de participação dos trabalhadores a seus serviços, nos resultados por elas obtidos, observando criteriosamente regras claras e objetivas estabelecidas na legislação específica. A participação nos lucros ou resultados das empresas é direito do trabalhador e está consagrada no inciso XI do art. 7º da Constituição da República, in verbis:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.
A legislação específica referida no parágrafo anterior é a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que regulamentou o dispositivo constitucional sobre a participação dos empregados nos lucros ou resultados das empresas. De acordo com a lei regulamentadora (art. 1º), a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa constitui instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade.
Segundo informa o art. 2º da lei supramencionada, a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
I – comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II – convenção ou acordo coletivo.
Verifica-se, pois, que a PLR será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, observando-se uma de três regras, ou seja: (i) constituição de uma comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato laboral, (ii) Convenção Coletiva de Trabalho – CCT, e (iii) Acordo Coletivo de Trabalho – ACT. Nota-se, portanto, que a presença do sindicato laboral, em qualquer uma das situações previstas na lei, é fator essencial para sucesso do programa.
Destaca a legislação de regência que, dos instrumentos decorrentes da negociação, deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:
I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;
II – programa de metas, resultados e prazos, pactuados previamente;
III – arquivamento do instrumento de acordo celebrado entre as partes, na entidade sindical dos trabalhadores.
O acordo de PLR ou PPR (considerando as sociedades cooperativas) deve ser um instrumento elaborado num plano horizontal, de maneira que ocorra efetivamente negociação entre empresa e empregado, com condições claras e objetivas, bem como apresentando mecanismos de aferição do acordado, buscando efetivamente uma integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade.
Nada obstante à importância da PLR, cumpre-nos destacar que o legislador criou alguns obstáculos para a sua implantação, como se pode verificar das disposições contidas no § 3º do art. 2º, da Lei nº 10.101, de 2000. Para dito dispositivo legal, não se equipara a empresa, para os fins desta lei:
I – a pessoa física;
II – a entidade sem fins lucrativos que, cumulativamente:
a) Não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas;
b) Aplique integralmente os seus recursos em sua atividade institucional e no País;
c) Destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades;
d) Mantenha escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos deste inciso, e das normas fiscais, comerciais e de direito econômico que lhe sejam aplicáveis.
A regra disposta no parágrafo anterior, por óbvio, não é aplicável às sociedades cooperativas, tendo em vista que elas, apesar de serem entidades sem fins lucrativos, não se enquadram no dispositivo legal acima descrito e muito menos às disposições contidas no art. 14 do Código Tributário Nacional – CTN.
Com efeito, ao contrário do comando contido no § 3º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 2000, o parágrafo único do artigo 15 da Lei nº 8.212, de 1991, estabelece que:
Art. 15. Considera-se:
I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional;
II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico.
Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras. [negritou-se]
A diferenciação das sociedades cooperativas em relação às demais instituições sem fins lucrativos não se restringe apenas ao comando previsto no parágrafo único do art. 15 da Lei nº 8.212, de 1991. No caso das sociedades cooperativas, o intérprete terá que levar em consideração também a previsão contida no parágrafo único do art. 982 do Código Civil, in verbis:
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967; e, simples, as demais).
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e simples, a cooperativa.
Com relação à diferenciação das sociedades cooperativas das demais entidades associativas, é importante ressaltar que tais sociedades, sob a ótica das regras do Sistema Financeiro Nacional – SFN – são também instituições financeiras, como se pode verificar nos artigos 17 e 18 da Lei nº 4.595, de 1964.
Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.
Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.
§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.
§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei.
§ 3º Dependerão de prévia autorização do Banco Central da República do Brasil as campanhas destinadas à coleta de recursos do público, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas abrangidas neste artigo, salvo para subscrição pública de ações, nos termos da lei das sociedades por ações. [negritou-se e sublinhou-se]
Superadas quaisquer dúvidas em relação à natureza jurídica das sociedades cooperativas, notadamente de que elas constituem tipo associativo distinto da previsão contida no § 3º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 2000, não resta qualquer dúvida de que elas poderão se valer das regras do referido diploma legal, implantando em suas unidades a participação nos resultados, observando, porém, as regras específicas estabelecidas na lei de regência desse importante instituto de integração entre o capital e o trabalho.
Contudo, implantado o PPR, e havendo o pagamento do benefício em desacordo com lei específica, a título de participação nos resultados da cooperativa, especialmente quando no instrumento de acordo não constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição, como falta de arquivamento na entidade sindical dos trabalhadores envolvidos, falta de comprovação de pactuação prévia de metas e pagamento por mera liberalidade do empregador sem atingimento de resultado esperado, os valores pagos a título de PPR comporão o salário de contribuição, contrariando a regra de não incidência prevista no art. 28 (Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:) , § 9º (§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:), inciso “j” ( j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica;) da Lei 8.212/91.
Para que não haja incidência da contribuição previdenciária sobre a participação nos resultados, a cooperativa deverá observar o entendimento adotado pela 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do (CSRF) do CARF, conforme acórdão nº 9202-00503, entendimento esse, consubstanciado na ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. CUSTEIO. NFLD. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA.
A teor do art. 7º, XI, da Constituição, constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais a “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.
Devem ser tributadas parcelas distribuídas a título de participação nos lucros ou resultados ao arrepio da legislação federal.
Os critérios para a fixação dos direitos de participação nos resultados da empresa devem ser fixados, soberanamente, pelas partes interessadas. O termo usado – podendo – é próprio das normas facultativas, não das normas cogentes. A lei não determina que, entre tais critérios, se incluam os arrolados nos incisos I (índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa) e II (programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente) do § 1º do art. 2º da lei n. 10.101/00, apenas o autoriza ou sugere.
A Constituição reconhece amplamente a validade das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI) e a função da negociação coletiva é obter melhores condições de trabalho e cobrir os espaços que a lei deixa em branco.
O legislador ordinário, procurando não interferir nas relações entre a empresa e seus empregados e atento ao verdadeiro conteúdo do inciso XI do art. 7º da Constituição, limitou-se a prever que dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo.
A lei não prevê a obrigatoriedade de que no acordo coletivo negociado haja a expressa previsão de fixação do percentual ou montante a ser distribuído em cada exercício.
Existe, sim, a obrigação de se negociar com os empregados, regras claras e objetivas, combinando de que forma e quando haverá liberação de valores, caso os objetivos e metas estabelecidas e negociadas forem atingidos.
Considerando as cláusulas do acordo coletivo firmado há de se concluir que foram atendidas as exigências de que dos instrumentos decorrentes da negociação entre empregador e empregados constem regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo.
O legislador não fez previsão de exigência no sentido de que as parcelas pagas a título de participação de lucros ou resultados fossem extensivas a todos os empregados da empresa para que houvesse a não incidência de contribuição previdenciária.
Para que não haja incidência de contribuição previdenciária, a PLR paga a empregados deve resultar de negociação entre a empresa e seus empregados, por comissão escolhida pelas partes, integradas, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria/ e/ou por convenção ou acordo coletivo.
O enquadramento sindical deve levar em consideração a base territorial do local da prestação dos serviços. Esta regra deve ser ressalvada quando se tornar necessária a observância dos princípios constitucionais que prescrevem a irredutibilidade de salários e do direito adquirido e, ainda, na hipótese de transferência temporária do empregado.
Por todo o exposto, conclui-se que as sociedades cooperativas podem implantar Programa de Participação nos Resultados – PPR, desde que respeitadas as regras estabelecidas no art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.
Amílcar Barca Teixeira Júnior é Advogado Cooperativista. Pós-Graduado em Gestão de Cooperativas pela Universidade de Brasília – UnB. Foi Consultor Jurídico da OCB e do Sescoop Nacional. Foi conselheiro do CRPS – Conselho de Recursos da Previdência Social e do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Autor e Coautor de vários livros abordando as sociedades cooperativas.