Segmento que mais cresce no Sistema Financeiro Nacional, o cooperativismo de crédito tem todas as ferramentas para ampliar essa participação e levar justiça financeira e prosperidade para cada vez mais brasileiros. Mas é preciso destacar os diferenciais do modelo cooperativista, mostrar à sociedade que as cooperativas são diferentes dos bancos comerciais e colocar a Intercooperação em prática.
A análise é do diretor executivo de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob, Ênio Meinen, um dos pensadores do cooperativismo financeiro brasileiro, como ele prefere se referir ao nosso modelo de negócios, que vai muito além do crédito.
Autor da Editora Confebras, Meinen está relançando seu livro Cooperativismo Financeiro na Década de 2020: sem filtros, com uma edição revista e atualizada.
Em entrevista à Confebras, Ênio Meinen destacou as vantagens comparativas do cooperativismo para seguir crescendo, o papel do setor na transformação digital do sistema financeiro e a necessidade de usar a intercooperação como alavanca para impulsionar o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC).
O que podemos esperar do futuro do cooperativismo financeiro?
O cooperativismo financeiro reúne todas as credenciais para continuar seu processo de expansão, de forma acentuada e consistente: tem no usuário também o dono da solução; dispõe de portfólio ajustado ao perfil do seu público, assegura preço diferenciado, presta atendimento atencioso, oferece tecnologia de ponta, conta com profissionais capacitados e engajados e tem forte envolvimento comunitário. Esses são alguns dos muitos atributos que qualificam o movimento e o tornam comparativamente atrativo.
Há muito espaço para a proposta de valor do modelo de negócios cooperativo, porque ele é convergente com os conceitos de economia compartilhada, empreendedorismo humanizado e capitalismo consciente. Nos novos tempos, a sociedade busca alternativas à proposta padrão do mercado, baseada na relação dono x clientes e unicamente destinada à geração de lucro para os controladores das empresas.
O cooperativismo de crédito é o segmento do Sistema Financeiro Nacional que mais cresce, segundo o Banco Central. Como ampliar ainda mais essa participação e chegar a mais brasileiros?
No geral, estamos adotando as táticas corretas para seguir alargando, de forma responsável e segura, a presença por todo o Brasil. Talvez pudéssemos adotar uma postura um pouco mais ostensiva em nossa proposta de comunicação. Deveríamos dar mais ênfase àquilo que nos faz únicos, e menos no que causa a impressão de que somos como os demais.
Para além disso, há espaço para maior ousadia na abordagem comercial, com aproximações pessoais mais intensivas ou por meio do efetivo emprego dos canais digitais. Afinal, apenas 20% dos associados pessoas físicas e 1/3 dos cooperados pessoas jurídicas têm a cooperativa como a sua principal instituição financeira. Ou seja, há um enorme espaço de crescimento a partir de quem já está dentro das nossas entidades.
Como as cooperativas de crédito estão inseridas na transformação digital do setor financeiro e o que devem fazer para atender a clientes cada vez mais conectados?
As cooperativas compõem o pelotão de frente quando se trata de implementar novas soluções baseadas em tecnologia ou atender a desafios da era digital propostos pelo Banco Central ou pelo mercado. Na implementação do sistema financeiro aberto (open finance) e nos testes-piloto do Drex (real digital), as cooperativas figuram entre as instituições pioneiras. E não poderia ser diferente, pois integramos um ecossistema intensivo em TI, fazemos parte da cena, e nossos cooperados querem o melhor do menu digital, incluindo mecanismos operacionais e transacionais, conforto e segurança.
O grande desafio é alocar da melhor maneira possível os recursos orçamentários dotados para essa dimensão, cujo montante ainda é bem menos expressivo do que o volume reservado para os mesmos objetivos pelos gigantes do mercado. Ou seja, temos de ser precisos e certeiros em nossas escolhas de prioridades.
Qual o papel da intercooperação para o futuro do cooperativismo financeiro?
Esse é um aspecto historicamente muito mal resolvido no cooperativismo em geral. Evoluímos pouco na prática, apesar dos nossos discursos candentes em defesa do princípio. No segmento financeiro, recentemente, demos alguns passos em termos de pauta institucional, inclusive elegendo prioridades intersistêmicas. Mas é preciso fazer alguma nova entrega, sem demora, antes que o órgão regulador [Banco Central] proponha o que temos de fazer.
A intercooperação mais acentuada intra e entre segmentos gera ganho de escala e economia de escopo, elevando a eficiência operacional, a competitividade e a força do movimento. Ou seja, traz inúmeros benefícios para o empreendedorismo cooperativo, considerando sobretudo os interesses e as expectativas dos cooperados. Então, há que deixar de lado as motivações e as resistências pessoais, particulares, e olhar para aquilo que deseja e precisa o dono do negócio. Cooperar efetivamente entre nós significa dar o exemplo para aqueles que queremos atrair e manter no cooperativismo.
A plataforma Confebras UNE conecta as cooperativas singulares independentes a todo o ecossistema cooperativo de crédito para o compartilhamento de produtos e serviços. Como essa iniciativa pode fortalecer a intercooperação no setor e que impactos pode ter para o SNCC?
A iniciativa liderada pela Confebras, desenvolvendo e ofertando ferramenta própria para essa finalidade, é mais uma ação relevante para aproximação entre cooperativas não filiadas e entidades de arranjos verticalizados (bancos, empresas especializadas controladas pelos sistemas, confederações e centrais).
Há espaço generoso para novas parcerias, o que é um movimento básico e ao mesmo tempo indispensável no processo de intercooperação. Os impactos para o SNCC são todos positivos, fortalecendo as entidades individualmente – de um lado, pela ampliação de negócios e compartilhamento de custos, e, de outro, pela oferta de novos produtos e serviços cujo desenvolvimento próprio não se sustenta. A plataforma Confebras UNE deve trazer inúmeros benefícios para os cooperados de ambas as partes e alavancar todo o ecossistema cooperativo financeiro.
Não é demais relembrar que estamos muito aquém do tempo nesse desafio, cujo objetivo está ancorado em uma diretriz principiológica e mais recentemente tem acolhimento regulamentar, passível de acompanhamento pelo supervisor. Precisamos ter consciência de que o efetivo avanço na intercooperação é algo que não pode nem deve ser adiado.
Qual a importância da agenda ESG para o futuro do cooperativismo financeiro e como as cooperativas devem agregar esses pilares ao modelo de negócios?
O cooperativismo financeiro, como movimento territorialmente engajado e fundado nas pessoas e não no capital, abraça os pilares ESG desde a sua concepção. Portanto, está filosoficamente comprometido com a promoção de um ambiente econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo.
Embora já conciliem aspectos econômicos e socioambientais e cultuem a liderança consciente – tendo uma inegável vantagem comparativa –, as cooperativas financeiras dispõem, ainda, de terreno abundante para aprimorar, expandir e consolidar o seu modelo de negócios nessa direção. Até porque organizações concorrentes, ao passarem a dar ênfase para essa agenda, tendem a reduzir a sua distância em relação ao segmento cooperativo. Portanto, se as cooperativas financeiras não acelerarem o passo, expandindo as suas ações voltadas à sustentabilidade, bancos e outros operadores do mercado financeiro poderão, logo ali, superá-las em expressividade e efetividade nesses fundamentos.
Ênio Meinen é diretor executivo de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob
Fonte: Confebras e mundocoop.com.br