Pioneiros de Rochdale

A história dos Pioneiros de Rochdale, por Márcio Port

Em 2024 os Pioneiros de Rochdale completam 180 anos de história, momento adequado para relembrar aspectos importantes de sua história

Este conteúdo apresenta aspectos importantes sobre a história dos Pioneiros de Rochdale que podem ser encontrados no livro intitulado “A História dos Pioneiros de Rochdale” (The History of the Rochdale Pioneers), publicado pela primeira vez em 1893, de George Jacob Holyoake, que também é autor do livro “A história da cooperação na Inglaterra”.

Os Pioneiros de Rochdale: prefácio do livro

O prefácio do livro oferece uma visão histórica sobre a sociedade dos Pioneiros de Rochdale, um grupo de tecelões especializados em flanela de Rochdale, Inglaterra, que buscava melhorar suas condições por meio da ação coletiva. Diante de salários baixos e desemprego, eles tentaram negociar melhores salários, mas encontraram resistência dos empregadores. Isso levou à formação da “Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale” (The Rochdale Society of Equitable Pioneers), criando uma loja cooperativa com o princípio da autoajuda. Apesar das limitações financeiras iniciais, a sociedade cresceu e passou a possuir moinhos e armazéns, com vendas significativas à vista.

O texto destaca os desafios enfrentados pelos líderes da classe trabalhadora e a importância da autossuficiência e da confiança mútua para o sucesso das empreitadas cooperativas. Também discute a influência das ideias socialistas de Robert Owen e o impacto mais amplo dos Pioneiros de Rochdale no movimento cooperativo na Inglaterra e no exterior.

A Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, estabelecida em 1844, era uma loja cooperativa iniciada por um grupo de tecelões de flanela em Rochdale, Inglaterra. A loja visava arrecadar um capital de £1.000 por meio de ações de £1 para criar uma comunidade autossustentável e melhorar as condições sociais e domésticas de seus membros.

A loja enfrentou desafios como capital limitado, dívidas dos membros e relutância em mudar hábitos de compra (os membros queriam comprar fiado e não pagar à vista). Apesar disso, a loja perseverou, promovendo práticas comerciais morais e, eventualmente, tornando-se um exemplo bem-sucedido de cooperação, com lucros compartilhados entre os membros com base em suas compras.

Os princípios da Sociedade incluíam liberdade de ação para os membros e operavam apenas com dinheiro à vista para evitar problemas relacionados ao crédito. O sucesso da loja levou ao aumento da adesão, do capital e da expansão do horário comercial. Os Pioneiros de Rochdale estabeleceram um precedente para os movimentos cooperativos, enfatizando a importância do esforço coletivo, negócios éticos e apoio comunitário.

O contexto da Revolução Industrial

A Revolução Industrial foi um período de grandes transformações econômicas e sociais, mas também de intensa adversidade para a classe trabalhadora. As condições de trabalho eram muitas vezes desumanas, com jornadas extenuantes, salários baixos e falta de segurança no emprego. Em meio a esse cenário de exploração e desigualdade, surgiram os primeiros sinais de resistência e desejo por mudança.

Os Pioneiros de Rochdale emergiram em um período marcado por intensa adversidade econômica e social. Os tecelões de flanela da cidade, como muitos outros trabalhadores da época, enfrentavam condições de trabalho extremamente precárias. A industrialização havia transformado radicalmente o tecido social e econômico da Inglaterra, trazendo consigo uma série de desafios que afetavam profundamente a classe trabalhadora. Salários insuficientes, jornadas de trabalho exaustivas e a falta de segurança no emprego eram problemas comuns que afligiam os operários.

Uma greve malsucedida dos tecelões de flanela em 1843/44 teve um papel significativo na criação da Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale. A greve foi uma resposta às condições de trabalho desfavoráveis e aos salários baixos que os trabalhadores enfrentavam durante a Revolução Industrial. No entanto, a greve não alcançou o resultado desejado, deixando muitos trabalhadores em uma situação ainda mais precária.

Na época, os tecelões tinham grande dificuldade para conseguir representantes dispostos a negociar com os empregadores. Eram poucos os voluntários corajosos o suficiente para enfrentar os patrões, uma situação comparada à fábula em que os ratos querem acorrentar o gato, mas nenhum rato se voluntaria para fazê-lo.

Os tecelões, que já estavam descontentes com a falta de apoio dos patrões, que não lhes aumentavam os salários, começaram a perceber a importância de ter controle sobre seus próprios meios de subsistência. A experiência da greve os fez entender que, ao invés de depender dos empregadores ou dos donos de lojas para melhorar suas condições, eles poderiam criar uma alternativa que lhes desse mais autonomia e segurança econômica.

A Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale

Pioneiros de Rochdale

Foi nesse contexto que os Pioneiros de Rochdale, um grupo de operários e artesãos, decidiram unir forças para criar uma alternativa ao sistema econômico vigente, que frequentemente explorava os trabalhadores. Eles buscaram estabelecer uma loja para a venda de provisões, roupas e outros itens essenciais a preços justos e acessíveis. A Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale foi estabelecida em 21 de dezembro de 1844, com o objetivo de oferecer uma alternativa ao sistema econômico vigente

O autor do livro destaca a natureza única dos trabalhadores de Rochdale, em Lancashire, que, diferentemente de outros trabalhadores na Grã-Bretanha, dominaram a arte de agir e se manter unidos. Eles seguiram o conselho de Sir Robert Peel de “tomar seus próprios assuntos em suas próprias mãos” e, mais importante, mantiveram-nos assim.

Com um capital inicial composto por ações de uma libra cada, os Pioneiros buscaram implementar planos e arranjos para o benefício pecuniário e a melhoria da condição social e doméstica de seus associados.

A Sociedade dos Pioneiros de Rochdale tinha como objetivos:

  • Estabelecer uma loja para a venda de provisões (um mercado), roupas e outros itens essenciais.
  • Construir, comprar ou erguer um número de casas para que os membros que desejassem ajudar uns aos outros a melhorar suas condições domésticas e sociais pudessem residir.
  • Iniciar a fabricação de artigos que a Sociedade determinasse, para o emprego de membros que estivessem desempregados ou sofrendo em consequência de reduções repetidas em seus salários.

Esses objetivos refletiam uma visão ambiciosa e inovadora para a época, marcando o início de um movimento que não apenas buscava a remuneração justa do trabalho, mas também a emancipação do trabalhador. A Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, com sua abordagem cooperativa e comunitária, representou um farol de esperança e um modelo para futuras iniciativas cooperativas em todo o mundo.

O caminho para a realização de seus objetivos não foi fácil. Os Pioneiros enfrentaram ceticismo e resistência, tanto do público em geral quanto de potenciais membros, que duvidavam da viabilidade de tal empreendimento. O autor aborda a desconfiança comum entre a classe trabalhadora em relação à autoconfiança e confiança mútua. Além disso, eles encontraram dificuldades significativas em arrecadar o capital necessário para iniciar suas operações.

A Loja Pioneiros Store na Rua Toad Lane, em Rochdale

Apesar desses obstáculos, os Pioneiros de Rochdale demonstraram uma determinação e solidariedade notáveis. Eles perseveraram e, através de ganhos graduais e anos de vicissitudes e progresso, estabeleceram uma loja cooperativa em Toad Lane. Essa loja, conhecida como “Pioneiros Store“, cresceu e se tornou um modelo para futuras iniciativas semelhantes. A loja prosperou, membros multiplicaram-se e novos departamentos de negócios foram abertos, mesmo diante de previsões pessimistas e crises econômicas.

A história dos Pioneiros de Rochdale é uma narrativa de coragem e inovação. Eles não apenas sonharam com um sistema mais justo, mas também colocaram esse sonho em prática, criando uma instituição que se tornaria o germe de uma nova vida social, garantindo moralidade e competência a todos os industriais.

Robert Owen, William King e os Socialistas Cristãos

O autor aborda as tentativas incompletas de precursores do cooperativismo, como Robert Owen e os chamados Socialistas Cristãos. Embora os movimentos iniciados por eles tenham sido inspiradoras e tenham estabelecido as bases para as futuras iniciativas cooperativas, eles enfrentaram desafios significativos que impediram seu sucesso pleno.

Segundo o autor, Robert Owen, um reformador social e um dos fundadores do movimento cooperativo, não conseguiu realizar metade do que pretendia. Os Socialistas Cristãos, inspirados por eloquentes discursos, também não conseguiram levar adiante o movimento através de suas lutas iniciais.

Um dos principais problemas dos que antecederam os Pioneiros de Rochdale era relacionado a falta de uma gestão financeira eficaz. Um dos erros comuns entre a classe trabalhadora era aceitar contadores que trabalhavam de forma voluntária, resultando em registros financeiros mal mantidos e confusos. A confusão era barata, mas de difícil correção, e a perplexidade de tudo se tornava cada vez pior. Ao longo do tempo, coube aos diretores agir com bom senso e vigor assim que compreendiam a situação, substituindo o gerente defeituoso e nomeando um contador remunerado.

Outro erro mencionado foi a prática de dividir todos os lucros na forma de dividendos para os acionistas, que eram retirados e gastos. Quando os dividendos eram altos, o entusiasmo também era alto. No entanto, quando os dividendos diminuíam, o apoio popular caía a zero e, às vezes, abaixo disso, levando ao colapso da loja.

O autor sugere que havia um espírito de realidade entre os Pioneiros de Rochdale que encontraram uma forma clara e direta de atuar, sem deixar margem para dúvidas ou interpretações alternativas. Eles tinham um compromisso com a realidade prática e a ação concreta, em contraste com as grandiosas visões de Owen e dos Socialistas Cristãos, que muitas vezes não se materializavam em resultados tangíveis. Os Pioneiros de Rochdale, por outro lado, demonstraram uma combinação rara de entusiasmo e paciência, capazes de esperar longos anos pelos resultados e educar seus vizinhos, elevando a cidade ao seu nível.

Essa abordagem pragmática e focada permitiu que os Pioneiros de Rochdale estabelecessem uma cooperativa bem-sucedida, que não apenas sobreviveu, mas prosperou, tornando-se um modelo para o movimento cooperativo em todo o mundo.

O autor também menciona que William King, que em 1828 lançou a revista The Co-operator, exerceu um papel crucial na disseminação de ideias cooperativas. King acreditava firmemente que a educação e a informação eram fundamentais para o sucesso do cooperativismo. Ele usou a revista como uma plataforma para educar os trabalhadores sobre como economizar dinheiro, comprar bens de qualidade e, mais importante, como se organizar em cooperativas para obter maior controle sobre suas vidas econômicas. A revista fornecia instruções práticas sobre a criação e gestão de cooperativas, além de discutir princípios e práticas cooperativas.

Além de ser um veículo de educação, a revista The Co-operator também servia como um meio de comunicação entre as cooperativas existentes, permitindo que compartilhassem sucessos, desafios e aprendizados. Isso ajudou a criar uma rede de apoio e colaboração entre as cooperativas, fortalecendo o movimento como um todo. A revista foi uma fonte de informação e inspiração para os cooperativistas da época, incluindo os Pioneiros de Rochdale, que adotaram muitos dos princípios e práticas discutidos na revista.

A fundação da cooperativa dos Pioneiros de Rochdale

A criação da cooperativa dos Pioneiros de Rochdale ocorreu em 21 de dezembro de 1844, um momento significativo e marcante para a história do cooperativismo. Nesse dia, os Equitable Pioneers fundaram sua loja com base no princípio de incluir os compradores como donos do negócio. Esse evento marcou o início de uma trajetória bem-sucedida do cooperativismo, que antes dessa data era incerta e muitas vezes sem sucesso em muitas cidades.

A loja dos Pioneiros de Rochdale começou com um capital modesto de apenas £14 ou £15 (libras esterlinas) para investir em estoque. O início das operações ocorreu na noite mais longa do ano (solstício de inverno no hemisfério norte), o que simboliza as dificuldades e a determinação dos fundadores. Apesar das expectativas céticas dos comerciantes locais, que observavam curiosos a nova concorrência, os Pioneiros iniciaram suas atividades com a esperança de transformar a cooperação em uma força duradoura e honrosa.

O solstício de inverno: O solstício de inverno é tradicionalmente associado a um momento de escuridão e espera pela luz, o que metaforicamente se alinha com a situação dos trabalhadores antes da formação da cooperativa: um período de dificuldades e esperança por dias melhores. A abertura da loja cooperativa nesta data específica destacava a crença dos Pioneiros de que, mesmo nos momentos mais escuros, a cooperação poderia trazer luz e mudança positiva para suas vidas.

Aprendendo com o insucesso das iniciativas anteriores

O autor aborda a dificuldade de formação de capital social como razões pelas quais as cooperativas anteriores a Rochdale falharam e as novas tiveram sucesso. Nas cooperativas que antecederam aos Pioneiros, os membros consideravam imoral receber juros pelo seu capital social e ao mesmo tempo não se sentiam estimulados a emprestar dinheiro sem juros. Outros tinham objeções morais ao pagamento de juros e, como não era possível obter dinheiro sem isso, essas pessoas virtuosas acabavam não fazendo nada, sendo “demasiado morais para serem úteis”.

Isso demonstrava uma grande ignorância em economia política, pois se ninguém praticasse a economia e a simplicidade, bem como o sacrifício para criar capital, a sociedade permaneceria em um estado de barbárie perpétua; e se o capital se recusasse a receber juros como compensação pelo risco, nunca estaria disponível para o uso de outros, sendo simplesmente acumulado sem utilidade.

Como resultado desta situação as cooperativas enfrentavam desafios significativos, visto que, com pequena quantidade de capital disponível, eram obrigadas a comprar mercadorias em pequenas quantidades e a preços e qualidades desvantajosos.

Por outro lado, as novas cooperativas, após Rochdale, tiveram sucesso porque adotaram uma abordagem diferente. Elas reconheceram a importância do capital e a necessidade de oferecer alguma forma de compensação pelo risco assumido pelos investidores. Além disso, as novas cooperativas estavam comprometidas com a venda de provisões puras (produtos que não fossem adulterados ou de baixa qualidade), o que exigiu um esforço considerável para se estabelecer no início. Muitos membros estavam dispostos a desistir da tentativa de vender apenas artigos puros devido à impossibilidade de obtê-los. No entanto, a persistência em tentar fazer o que parecia impossível foi justificada porque era o correto a fazer.

Essa mudança de mentalidade e a adoção de práticas comerciais justas e sustentáveis foram fundamentais para o sucesso das novas cooperativas, diferenciando-as das tentativas anteriores que não conseguiram prosperar. A abordagem pragmática e moralmente consciente das novas cooperativas permitiu-lhes superar os desafios que haviam impedido o sucesso de seus predecessores.

Inicialmente a cooperativa dos Pioneiros remunerava o capital social em cinco por cento por ano, mas posteriormente as regras foram alteradas para que os juros fossem pagos apenas em proporção ao valor das compras trimestrais. Isso refletia uma preocupação em garantir que o capital não dominasse a sociedade. Ao mesmo tempo que o capital social era necessário, havia o receio em relação a ele, levando a sociedade a criar regras para limitar sua influência. Essas regras tinham o objetivo de encorajar os membros a fazerem compras na loja e a participarem ativamente da cooperativa.

Princípios dos Pioneiros de Rochdale

Os Pioneiros de Rochdale, após superarem os desafios iniciais, como reunir fundos para manter as operações da cooperativa e a gestão financeira, estabeleceram princípios que se tornaram a espinha dorsal do cooperativismo. Esses princípios eram inovadores para a época e incluíam:

  • Venda de Produtos de Qualidade a Preços Justos: A loja dos Pioneiros começou a operar com a filosofia de que todos deveriam ter acesso a produtos de qualidade sem serem explorados por preços exorbitantes. Isso não só atraiu membros, mas também estabeleceu um padrão de confiança e honestidade no comércio. O autor menciona: “fornecer aos membros, e àqueles que negociam com a sociedade, farinha pura, saudável e não adulterada, a um preço e qualidade iguais ou melhores do que qualquer moleiro da vizinhança.”
  • Distribuição Equitativa dos Lucros: Ao invés de acumular lucros para um único proprietário ou grupo de investidores, os Pioneiros decidiram que os lucros seriam divididos entre os membros, proporcionalmente às suas compras. Isso incentivou a lealdade e o comprometimento dos membros com a cooperativa.
  • Gestão Democrática: A sociedade foi governada por princípios democráticos, onde cada membro tinha voz nas decisões. Isso assegurava que a loja operasse de maneira que refletisse os interesses de todos os seus membros, não apenas de uma elite.
  • Promoção da Educação: Os Pioneiros acreditavam firmemente na educação como meio de emancipação. Eles investiram em recursos educacionais e promoveram a aprendizagem entre seus membros, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e coletivo.

A loja cooperativa dos Pioneiros de Rochdale não apenas prosperou, mas também cresceu exponencialmente. De um modesto grupo inicial de 28 membros, em treze anos a sociedade expandiu para mais de 1.800, evidenciando o sucesso de seu modelo. O crescimento da sociedade foi notável. De um modesto armazém, eles expandiram suas operações, oferecendo uma variedade de produtos e serviços e atraindo um número crescente de membros. Este crescimento permitiu que a sociedade enfrentasse desafios econômicos e se tornasse um exemplo para outras iniciativas cooperativas.

O autor também aborda a decisão dos tecelões de adotar o princípio do “dinheiro à vista” nas vendas e transações. A decisão de operar com base no princípio do dinheiro à vista foi tomada principalmente por considerações morais. Os tecelões, como reformadores sociais, foram ensinados a ver o crédito como um mal social, um sinal da ansiedade, excitação e fraude da competição, visto que muitas vezes quem concedia o crédito eram os patrões ou agiotas. Eles acreditavam que seria melhor para a sociedade se as transações comerciais fossem mais simples e honestas, sem o uso do crédito.

A criação de novas lojas e outros empreendimentos

O estímulo para a criação de filiais começou em 1856, quando as receitas nas lojas centrais atingiram £1.000 por semana, e os membros começaram a falar sobre a abertura de lojas em outras partes da cidade que fossem mais próximas para suas residências.

A popularidade crescente dos Pioneiros de Rochdale ameaçava as cooperativas menores, como a de Castleton, que acabou sendo incorporada pelos Pioneiros. A primeira filial, conhecida como nº 2 School Lane Branch, foi aberta em 7 de março de 1857. A ideia de abrir filiais ganhou terreno rapidamente, e mais duas foram abertas nas semanas seguintes: a nº 3, na Whitworth Road, e a nº 4, Pinfold Branch, em outra parte do município de Castleton. O livro apresenta uma relação de 16 filiais constituídas pela cooperativa até 1875.

A abertura dessas filiais aliviou a pressão sobre as lojas centrais e demonstrou a eficácia da expansão para atender melhor às necessidades dos membros. A discussão e a agitação para a abertura de filiais foram vistas como um processo natural de crescimento e adaptação da sociedade às demandas de seus membros, refletindo o dinamismo e a capacidade de inovação do movimento cooperativo.

Criação de novos empreendimentos

Além das lojas, os Pioneiros de Rochdale também criaram vários outros empreendimentos para atender às necessidades de seus membros e da comunidade.

De acordo com o autor, a sociedade era dividida em sete departamentos: mercearia, comércio de tecidos e artigos têxteis, açougue, sapataria, tamancaria, alfaiataria e atacado. Cada departamento mantinha uma contabilidade separada, e um relatório geral era apresentado a cada trimestre, mostrando a posição do conjunto. Existe ainda a menção da construção de um moinho de milho na cidade, que era equipado com um motor e maquinário de última geração.

Os Pioneiros mantinham ainda instalações de fabricação, que incluíam departamentos para a fabricação de tabaco; panificação de pão, biscoitos e bolos; açougue de porco; limpeza de corintos (um tipo de uva passa); torrefação de café; moagem de café e pimenta.

Além disso, havia estábulos e casas de abate no mesmo local, todos organizados de forma que os produtos de cada departamento pudessem ser entregues nas lojas com a mesma precisão e confiabilidade de uma máquina.

A cooperativa dos Pioneiros operava ainda com noventa e seis teares elétricos, empregando vinte e seis homens, sete mulheres, quatro meninos e cinco meninas, totalizando quarenta e duas pessoas.

Esses números refletem o impacto significativo que os Pioneiros tiveram na criação de empregos e no apoio à comunidade local através de suas diversas operações comerciais e de fabricação.

A Sociedade das Casas – House Society

O autor menciona também outro empreendimento criado pelos Pioneiros, chamado de House Society. Criada como uma resposta direta a uma injustiça percebida, onde um proprietário de imóveis aumentou o aluguel dos membros das cooperativas. Isso motivou os Pioneiros a formarem sua própria sociedade para comprar terras e construir casas para si mesmos, evitando assim a dependência de proprietários que poderiam explorar sua situação econômica.

A criação da House Society foi um exemplo de como os Pioneiros de Rochdale buscavam melhorar não apenas suas condições econômicas, mas também suas condições sociais e domésticas.

Eles reconheceram a importância de ter controle sobre suas próprias moradias como parte de um esforço mais amplo para alcançar a autossuficiência e a independência. Ao formar a House Society, eles puderam garantir que os membros da cooperativa tivessem acesso a moradias a preços justos e razoáveis, livres da ameaça de aumentos arbitrários de aluguel.

Impacto social e econômico dos Pioneiros de Rochdale

A Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale teve um impacto profundo e duradouro na comunidade local. A loja cooperativa, mais do que um mero estabelecimento comercial, tornou-se um símbolo poderoso de autoajuda e responsabilidade coletiva. Os membros da sociedade não só tinham acesso a produtos de qualidade a preços justos, mas também participavam da distribuição dos lucros, o que representava uma mudança radical em relação ao sistema econômico predominante da época.

A influência dos Pioneiros estendeu-se para além das transações comerciais. Eles promoveram uma cultura de educação e desenvolvimento pessoal, investindo em recursos que beneficiavam toda a comunidade. A loja em Toad Lane tornou-se um ponto de encontro para discussões sobre melhorias sociais e econômicas, onde ideias podiam ser compartilhadas e novas estratégias para o avanço comunitário podiam ser desenvolvidas.

O sucesso da loja dos Pioneiros em Rochdale criou um modelo que gerou grande interesse até mesmo no continente europeu. Era recorrente a fala de que os trabalhadores criavam maus patrões, mas os Pioneiros de Rochdale desafiaram essa noção, mostrando que era possível para trabalhadores gerir um negócio de forma justa e bem-sucedida. A sociedade provou que, com os princípios corretos, os trabalhadores poderiam não apenas ser bons empregadores, mas também contribuir significativamente para o bem-estar de toda a comunidade.

Os Pioneiros de Rochdale também tinham a consciência dos problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas e buscavam combater o vício. Eles reconheciam que o dinheiro gasto em bebidas poderia ser melhor utilizado se fosse direcionado para fins mais produtivos. Além disso, a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale adotou práticas que promoviam a sobriedade entre seus membros, como a realização de reuniões em locais que não fossem pubs, para evitar o incentivo ao consumo de álcool.

Renovação de lideranças

O legado dos Pioneiros de Rochdale é evidenciado pelo fato de que, mesmo após a saída de figuras-chave, a sociedade continuou a prosperar, mantendo um número significativo de membros, capital substancial, comércio anual considerável e lucros impressionantes. Isso demonstra que os princípios estabelecidos pelos Pioneiros não eram apenas ideais nobres, mas também práticas comerciais sustentáveis que garantiam o sucesso contínuo e a influência do movimento cooperativo.

Desafio de manter o bem comum como foco

Ao mesmo tempo que foram conquistados impactos positivos para a coletividade, o autor capítulo aborda a questão de como as sociedades cooperativas influenciaram a mentalidade dos trabalhadores. Homens que nunca possuíram nada foram introduzidos ao “doce sabor de economizar e possuir propriedade”, o que, paradoxalmente, levou alguns a abandonar o patriotismo (a defesa do coletivo) em favor dos lucros pessoais. Cooperadores e cartistas, antes ativos nas reformas sociais e políticas, tornaram-se apáticos, preferindo a segurança financeira à participação cívica, uma mudança simbolizada pela expressão “eles provaram a terra, e o cascalho entrou em suas almas”.

A preocupação com a educação

Os Pioneiros de Rochdale tinham uma visão progressista sobre a educação, considerando-a essencial para a melhoria das condições sociais e econômicas dos trabalhadores. Eles acreditavam que a educação era um meio de empoderamento que poderia levar a uma maior igualdade e justiça social. Com esse pensamento, eles implementaram várias estruturas para promover a educação entre seus membros:

  • Criação de uma biblioteca: A biblioteca era vista como um recurso vital para o desenvolvimento pessoal e coletivo. Em 1892, havia 86 mil livros disponíveis nas bibliotecas dos Pioneiros.
  • Criação de salas de aula: Espaços dedicados à aprendizagem foram estabelecidos para facilitar a educação contínua dos membros.
  • Disponibilização de aulas de ciência e arte: Foram oferecidas aulas nessas áreas para melhorar o conhecimento e as habilidades dos membros.
  • Construção de uma sala de reuniões: Inaugurada em setembro de 1867, a sala de reuniões não só proporcionava um local para a comunidade se reunir, mas também servia como um espaço para eventos educacionais. O prédio, que custou £13.360, incluindo o terreno, tinha uma sala de reuniões que podia acomodar até 1.400 pessoas e frequentemente acolhia encontros de mais de 2.000 pessoas.

Essas iniciativas demonstram o compromisso dos Pioneiros de Rochdale com a educação como um pilar fundamental para o avanço social e econômico. Eles entenderam que, além de fornecer bens e serviços, era sua responsabilidade cultivar um ambiente onde o conhecimento e a aprendizagem fossem acessíveis a todos os membros, contribuindo assim para uma sociedade mais justa e equitativa.

Desafios Legais e Tributários

A jornada dos Pioneiros de Rochdale foi marcada por uma série de desafios legais e tributários que testaram a resiliência e a determinação da sociedade. Um dos principais obstáculos foi a questão da responsabilidade em relação ao Imposto de Renda, que ocupou a atenção da loja por vários anos. A solução aparentemente final para essa questão foi um marco significativo, não apenas para a Sociedade, mas também para outras lojas cooperativas que enfrentavam dilemas semelhantes.

Em agosto de 1850, a diretoria da Sociedade procurou aconselhamento legal para entender se as sociedades cooperativas eram responsáveis pelo pagamento do Imposto de Renda quando os membros individuais tinham renda inferior a tributável. Embora a Sociedade pagasse regularmente o Imposto de Renda, eles questionavam o pagamento, pois a renda separada de cada membro estava bem abaixo do limite de isenção. No entanto, os Comissários locais insistiram no pagamento.

A luta contra a imposição do Imposto de Renda foi particularmente intensa durante os anos de 1855/56. James Smithies, frequentemente referido como um dos “Pioneiros Lutadores”, foi escolhido para liderar a batalha nos tribunais e perante os Comissários. A diretoria, cansada das representações infrutíferas, adotou uma resolução firme: “Que não pagaremos o Imposto de Renda até que sejamos obrigados”. Esta postura destemida reflete a convicção da Sociedade em defender seus princípios cooperativos contra exigências fiscais que consideravam injustas.

A persistência dos Pioneiros em lutar por reconhecimento legal e justiça tributária foi fundamental para garantir um ambiente mais favorável para o cooperativismo. Eles não apenas buscaram orientação legal, mas também se engajaram ativamente na advocacia, desafiando as autoridades fiscais e educando o público sobre a natureza e os benefícios do modelo cooperativo. Esses esforços não só fortaleceram a posição da Sociedade de Rochdale, mas também pavimentaram o caminho para que outras cooperativas operassem com maior segurança jurídica e fiscal.

O sucesso dos Pioneiros de Rochdale em superar esses desafios legais e tributários é um testemunho de sua visão e tenacidade. Eles estabeleceram um precedente importante que ajudou a moldar a legislação e as políticas fiscais em relação às cooperativas, contribuindo para a sustentabilidade e o crescimento do movimento cooperativo como um todo.

Cooperativismo em Tempos de Crise

Os anos de 1861 a 1864 foram marcados por eventos que testaram a força e a resiliência do movimento cooperativo. Durante a Guerra Civil Americana e a subsequente Fome do Algodão, a economia de Rochdale, como muitas outras cidades industriais, enfrentou tempos difíceis.

Devido a Guerra Civil Americana houve a interrupção no fornecimento de algodão para as indústrias têxteis britânicas, visto que os estados do sul dos EUA (envolvidos no conflito) eram os principais exportadores para a Inglaterra. A escassez de algodão afetou profundamente a indústria têxtil, que era a espinha dorsal da economia local. O livro relata que em 1862, dois terços dos operários de Rochdale estavam quase completamente sem trabalho.

Neste período desafiador, os Pioneiros demonstraram uma notável capacidade de adaptação e resiliência. Eles não apenas mantiveram suas operações, mas também encontraram maneiras de prosperar. A sociedade continuou a crescer, apesar das adversidades, e manteve seu compromisso com os princípios cooperativos. A loja dos Pioneiros tornou-se um refúgio para muitos durante esses tempos de crise, oferecendo não apenas produtos e serviços, mas também apoio e solidariedade.

A resiliência dos Pioneiros durante a Fome do Algodão foi particularmente notável. Em um momento em que muitas empresas estavam fechando ou reduzindo drasticamente suas operações, a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale continuou a fornecer emprego e recursos para seus membros. Eles se apoiaram em seus próprios recursos e economias, mostrando que um modelo baseado na cooperação e na ajuda mútua poderia não apenas sobreviver, mas também prosperar, mesmo em face de crises financeiras severas.

Neste período o número de membros reduziu em 500 e o capital social em 4,5 mil libras esterlinas. A loja cooperativa, o moinho de milho e a sociedade de fabricação doaram juntos 1,5 mil libras para o alívio dos desempregados e ainda assim a loja, individualmente, teve 70 mil libras de resultado positivo.

A capacidade dos Pioneiros de resistir e se adaptar durante esses anos perigosos foi documentada por correspondentes do jornal “The Times”, que escreveram sobre a situação em Rochdale. As histórias de como a sociedade lidou com a crise e continuou a apoiar seus membros são um testemunho do poder do cooperativismo e da visão dos Pioneiros.

O exemplo dos Pioneiros de Rochdale durante a crise do algodão reforça a ideia de que o cooperativismo não é apenas uma estratégia econômica, mas também uma filosofia de vida que enfatiza a comunidade, a resiliência e o apoio mútuo. A história dos Pioneiros mostra que, mesmo nos momentos mais difíceis, a cooperação pode ser uma força poderosa para o bem-estar comum e a sustentabilidade econômica.

Legado e Reconhecimento

O modelo de Rochdale, com suas práticas e princípios, ainda nos anos de 1800, tornou-se um exemplo para o movimento cooperativo global. A abordagem inovadora dos Pioneiros em relação ao comércio e à gestão democrática de uma sociedade foi adotada por inúmeras cooperativas, provando a relevância e a eficácia dos princípios estabelecidos pelos Pioneiros.

Além disso, o reconhecimento do trabalho dos Pioneiros não se limitou à sua própria comunidade ou ao período em que viveram. Sua visão e heroísmo, que inicialmente não foram amplamente reconhecidos, eventualmente fizeram de Rochdale um nome conhecido entre os trabalhadores do mundo. Mesmo muitos anos após a morte dos Pioneiros originais, as pessoas continuaram a visitar seus túmulos para homenageá-los, demonstrando o respeito e a admiração duradouros por suas realizações.

Informações atualizadas sobre a Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale

A Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, fundada em 1844, formou a base para o moderno movimento cooperativo. Embora outras cooperativas tenham precedido ela, os “Pioneiros de Rochdale” se tornaram o protótipo para as sociedades cooperativas na Grã-Bretanha.

A cooperativa original não existe mais como uma entidade independente, pois em 1976, ela se fundiu com a Oldham Industrial Co-operative Society (localizada a 12km de Rochdale) e com a Norwest Co-operative Society (localizada a 35Km), passando a ser conhecida como Pioneers (1976) e Norwest Pioneers (em 1982). Em 1991 houve nova fusão com a United Co-operatives, formando a United Norwest Co-operatives, que mais tarde se tornou parte do The Co-operative Group.

O legado dos Pioneiros de Rochdale continua vivo e influencia cooperativas em todo o mundo que operam até hoje. O museu dos Pioneiros de Rochdale, localizado em Manchester, Inglaterra, conta a história da Sociedade e recria a loja original com equipamentos e produtos da época.

Atualmente, o museu é administrado pelo Co-operative College. O nome legal da Sociedade foi ressuscitado em 1989, após ter sido abandonado pela cooperativa original em 1976. Isso demonstra a importância contínua e o impacto duradouro dos Pioneiros de Rochdale no movimento cooperativo global.

Museu dos Pioneiros de Rochdale


Resenha elaborada por Márcio Port, autor do livro “Cooperativismo Financeiro, uma história com propósito, publicado em 2022, e coautor dos livros “Cooperativismo de Crédito Ontem, Hoje e Amanhã”, publicado em 2012 e “Cooperativismo Financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios“, publicado em 2014.

4 Comentários

  1. Obrigada Marcio Port por sempre produzir conteúdos relevantes, viabilizado acesso a fontes tão importantes sobre o Cooperativismo.
    A fundamentação da trajetória relatada, nos remete a realidade que buscamos construir incansavelmente no Sicredi aonde a partir de um propósito único trabalhamos para “Construir juntos uma sociedade mais próspera”. Gratidão.

  2. Márcio Port brinda a todos nós, em especial os cooperativistas, com um excepcional trabalho de pesquisa. Capitulando pontos da origem e desdobramentos do movimento dos Pioneiros De Rochdale, demonstrando que as ‘coisas nunca foram fáceis’, mas talvez antes do cooperativismo surgir eram ainda mais difíceis. Um apanhado de elementos fundamentais que nos servem como inspiração e pontos de reflexão. Obrigado!

  3. O modelo do cooperativismo poderia ser mais usado em outras áreas da sociedade brasileira. Precisamos conhecer mais e usar o modelo cooperativo em nossa economia.

  4. Uma relevante contribuição de Marcio Port ao cooperativismo e aos cooperativistas cooperados, militantes, estudantes e simpatizantes.

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