Ato Cooperativo na Reforma Tributária

O Ato Cooperativo na Reforma Tributária, por Márcio Port

A reforma tributária em curso no Brasil representa um marco significativo na modernização do sistema fiscal do país, com a promessa de reduzir o seu custo de observância (custo de controle e execução).

Um dos aspectos relevantes dessa reforma é o adequado tratamento do ato cooperativo, uma prática que distingue as cooperativas de outras formas de organização empresarial. As cooperativas, definidas pela legislação brasileira como sociedades de pessoas, operam com o objetivo de prestar serviços aos seus associados de maneira mais vantajosa do que o mercado tradicional, sem buscar lucro.

Entendendo o Ato Cooperativo

O ato cooperativo é uma ação realizada por uma cooperativa que reflete sua natureza e propósito. É diferente de uma operação comercial comum porque não busca lucro, mas sim o benefício mútuo dos seus membros. Vamos entender melhor:

Em uma cooperativa, seja ela agropecuária, de crédito ou de qualquer outro tipo, os membros se unem para atingir objetivos comuns. Eles compartilham recursos, conhecimento e esforços para ajudar uns aos outros. Por exemplo, em uma cooperativa agropecuária, os agricultores podem compartilhar máquinas, comprar insumos juntos (para obter melhores preços) ou vender seus produtos coletivamente (para ganhar mais força no mercado).

Os atos cooperativos são as atividades que esses membros realizam juntos, dentro dessa lógica de cooperação. Isso pode incluir:

    • Compartilhamento de recursos: como máquinas ou instalações.
    • Serviços mútuos: como assistência técnica ou educacional entre os membros.
    • Comercialização conjunta: dos produtos dos membros, buscando melhores condições de venda.

Essas ações são feitas sem intenção de lucro individual, mas para melhorar as condições de todos os membros da cooperativa. Por isso, os atos cooperativos não são tributados como operações comerciais normais, pois são considerados uma extensão da atividade dos próprios membros, e não uma venda de produtos ou serviços para obtenção de lucro.

Ato Cooperativo e sua não incidência tributária

O ato cooperativo é a expressão das transações entre a cooperativa e seus associados, visando alcançar os objetivos sociais da entidade. A essência do ato cooperativo reside na sua natureza de não incidência tributária, o que significa que não há cobrança de impostos sobre essas operações na esfera da cooperativa. Em vez disso, a tributação é direcionada ao associado, refletindo a realidade econômica da transação.

Singularidade do modelo cooperativista

Essa abordagem tributária é crucial para o funcionamento das cooperativas, pois reconhece a singularidade do modelo cooperativista, que não visa ao lucro, mas sim ao benefício mútuo dos associados. As sobras apuradas pelas cooperativas, não são sinônimos e nem equivalentes ao que seria o lucro em empresas mercantis, pois constituem o resultado dos atos cooperativos realizados pela cooperativa com seus associados (ingressos menos dispêndios = sobras) e são redistribuídas aos associados proporcionalmente às operações realizadas ou reinvestidas para a melhoria dos serviços, reforçando o ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável e inclusão econômica.

Segurança Jurídica e Justiça Fiscal

A reforma tributária, ao contemplar o ato cooperativo, não apenas preserva a segurança jurídica das cooperativas, mas também promove justiça fiscal. Ao reconhecer a não incidência tributária do ato cooperativo, a reforma evita a dupla tributação e garante que as cooperativas possam continuar a operar de forma eficiente e competitiva¹²³.

Além disso, a Emenda Constitucional (EC) 132/2023 e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 são passos importantes para assegurar que a regulamentação infraconstitucional esteja alinhada às diretrizes constitucionais e à legislação específica do cooperativismo¹. Isso é fundamental para que as cooperativas possam manter seu papel de agentes de inclusão econômica e social, contribuindo para a diversificação e fortalecimento da economia nacional.

Segundo a Superintendente da OCB, Tânia Zanella, “o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 precisa dar atenção ao modelo societário cooperativista. Suas características únicas e a inclusão da não incidência de tributos sobre o ato cooperativo na Emenda Constitucional 132 precisam ser respeitados.”

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“O PLP 68/2024 precisa abarcar a não incidência da tributação sobre o ato cooperativo para todos os ramos do cooperativismo, tendo em vista que a riqueza se fixa no cooperado, de modo que este pagará tributos quando incorrer no fato gerador tributário”, afirma o advogado João Caetano Muzzi, consultor tributário do Sistema OCB.

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O presidente da Frencoop, deputado federal Arnaldo Jardim, destaca “Precisamos de uma legislação que realmente contemple as peculiaridades das cooperativas, garantindo sua competitividade e sustentabilidade, em obediência ao texto constitucional. Do contrário, o cooperativismo brasileiro pode ser inviabilizado,  impactando milhares de famílias e cooperados.”

É importante notar que os atos não cooperativos, ou seja, aqueles praticados pela cooperativa com não associados não são abrangidos pela não incidência tributária e, portanto, têm incidência de tributação. A distinção entre atos cooperativos e não cooperativos é essencial para aplicar a correta incidência tributária.

Em resumo, o tratamento adequado do ato cooperativo na reforma tributária é uma questão de justiça e equidade. Ele permite que as cooperativas continuem a ser um modelo de negócio viável e eficaz, capaz de gerar oportunidades e promover o bem-estar dos seus membros e da comunidade em geral. A reforma tributária justa é aquela que contempla o ato cooperativo, garantindo que as cooperativas possam prosperar e contribuir para um Brasil mais justo e com melhores oportunidades para todos¹.


Por Márcio Port, é autor do livro “Cooperativismo Financeiro, uma história com propósito, publicado em 2022, e coautor dos livros “Cooperativismo de Crédito Ontem, Hoje e Amanhã”, publicado em 2012 e “Cooperativismo Financeiro: percurso histórico, perspectivas e desafios“, publicado em 2014.

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