A Resolução CMN n. 1.559, de 22 de dezembro de 1988, veda a realização de operações que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos por instituições financeiras, dentre as quais encontram-se as cooperativas de crédito. Significa dizer que a inobservância de qualquer desses preceitos sujeita as instituições financeiras, assim como seus administradores, a possíveis punições, já que são eles que as resguardam dos riscos a que estão expostas.
Os riscos financeiros a que se sujeitam se dividem em operacionais, de mercado, de liquidez e de crédito. No que importa ao presente trabalho, tem-se que o risco de crédito nada mais é do que o risco que a instituição financeira corre de não obter retorno para uma operação de crédito ou para o seu portfólio de empréstimos de maneira geral.
E é justamente para minimizar a exposição ao risco de crédito que as instituições financeiras devem exigir garantias dos tomadores, que podem dividir-se em garantias fidejussórias ou reais. Compõem o grupo das garantias fidejussórias o aval e a fiança, enquanto formam parte do conjunto de garantias reais o penhor, a hipoteca, a anticrese e a alienação fiduciária.
A alienação fiduciária, tema central do trabalho, confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor, de acordo com o art. 1.368-B, do Código Civil. No âmbito do mercado financeiro, esse tipo de garantia está previsto pela Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965.
Sobre a alienação fiduciária:
Conforme redação do §3º, do art. 66-B, da Lei supracitada:
É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.
Já o § 1º, do artigo 8º, da Lei n. 8.929, de 22 de agosto de 1994, na sua redação mais atual prevê que:
A alienação fiduciária de produtos agropecuários e de seus subprodutos poderá recair sobre bens presentes ou futuros, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou não, cuja titularidade pertença ao fiduciante, devedor ou terceiro garantidor.
Não há dúvida, portanto, quanto à viabilidade do recebimento da produção agrícola como objeto da alienação fiduciária. Na prática, a Cédula de Produto Rural (CPR) é, consoante a lei que a institui, a representação “da promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas”, constituindo-se em um título a ser entregue à instituição que a aceite como garantia do empréstimo pretendido.
Ainda, de acordo com a legislação em vigor, a CPR é considerada um ativo financeiro e deve ser “registrada ou depositada em até 30 (trinta) dias úteis da data de emissão ou aditamento, em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros ou de valores mobiliários”.
Validade da alienação fiduciária perante terceiros
Quanto à sua validade perante terceiros, há que se ter em conta o disposto no §2º, art. 12, da Lei n. 8.929/1994:
A validade e eficácia da CPR não dependem de registro em cartório, que fica dispensado, mas as garantias reais a ela vinculadas ficam sujeitas, para valer contra terceiros, à averbação no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia, devendo ser efetuada no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da apresentação do título ou certidão de inteiro teor, sob pena de responsabilidade funcional do oficial encarregado de promover os atos necessários.
Diante do inadimplemento da obrigação, é facultado ao credor a venda do bem móvel a terceiros, independentemente “de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas”.
Na hipótese de o devedor não proceder a entrega do bem, o credor poderá requer a busca e apreensão, inclusive extrajudicialmente. Assim, além de ter um processo executório mais célere, a alienação fiduciária de grãos não se submete aos efeitos da recuperação judicial e da falência.
É importante levar em conta, ainda, que o §13º, da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, reconhece que “não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados”.
Por fim, há que se ter em conta que, especialmente no Distrito Federal, existe a possibilidade de que imóveis rurais tenham Concessão de Direito Real de Uso, pela TERRACAP, casos nos quais o possuidor detém apenas alguns dos poderes inerentes à propriedade, não podendo dispor da coisa. Ou seja, o bem imóvel não pode ser objeto de alienação fiduciária.
Apesar disso, não há qualquer óbice para o oferecimento em garantia daquilo que é produzido nestes imóveis rurais. Nesse contexto, conclui-se que a adoção da alienação fiduciária de grãos como garantia para as operações de crédito praticadas pelas cooperativas de crédito não só é permitida como também se mostra oportuna para as cooperativas de crédito do Distrito Federal.
Marília Ferraz Teixeira. Advogada. MBA em Gestão de Cooperativas de Crédito pela USP. Sócia no Teixeira e Ferraz Sociedade de Advogados S/S (Brasília-DF).
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