Tese de doutorado reforça que o verdadeiro diferencial do cooperativismo está nos vínculos humanos, na coletividade e no propósito compartilhado.
Em sintonia com o Ano Internacional das Cooperativas, um estudo reforça o papel do cooperativismo como um modelo baseado em valores humanos, vínculos sociais e sentido coletivo. A tese de doutorado do educador Antonio Cleber Zequetto, defendida pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), traz à tona uma abordagem inovadora sobre o tema: o ethos do cooperativismo.
O termo ethos vem do grego e significa, em seu sentido mais profundo, o modo de ser, o caráter, os valores e hábitos compartilhados por um grupo.
O Ethos do Cooperativismo em Diálogos e Afetos
Intitulada “O Ethos do Cooperativismo em Diálogos e Afetos”, a pesquisa mostra que o cooperativismo vai além da gestão técnica e institucional. Ele é vivido como uma cultura compartilhada, uma linguagem simbólica e uma forma de resistência afetiva frente às crises contemporâneas de individualismo, fragmentação social e perda de sentido.
“O cooperativismo é uma linguagem afetiva e coletiva que resiste, reinventa e transforma.”
— Antonio Cleber Zequetto
Entre os principais achados do estudo, destacam-se:
- Pertencimento: os cooperados enxergam na cooperativa um espaço de identidade e segurança emocional. Cooperar é se reconhecer no outro.
Um dos achados mais expressivos da pesquisa é o sentimento de pertencimento gerado pelas cooperativas. Os participantes relataram que, ao se envolverem com o movimento cooperativo, passaram a sentir que pertencem a algo maior do que si mesmos. A cooperativa, nesse contexto, não é vista apenas como uma instituição financeira ou de produção, mas como um espaço de acolhimento, reconhecimento e identidade coletiva.
Esse pertencimento se manifesta nas relações interpessoais, no ambiente das assembleias, nas decisões compartilhadas e até nos pequenos gestos cotidianos. Ele fortalece os laços entre os cooperados e sustenta o compromisso de longo prazo com os valores do movimento. Ao se sentirem parte de uma comunidade com propósito, as pessoas se engajam com mais intensidade, solidariedade e responsabilidade.
- Propósito compartilhado: os princípios cooperativistas são vivenciados como práticas éticas que orientam a ação.
Outro achado relevante é a percepção de que o cooperativismo oferece às pessoas um propósito real e compartilhado. Ao contrário de modelos organizacionais centrados exclusivamente no lucro, as cooperativas são guiadas por princípios como ajuda mútua, equidade, responsabilidade, democracia e solidariedade — e isso faz sentido concreto na vida de quem participa.
Para muitos, o cooperativismo não é apenas uma opção de trabalho ou de consumo, mas uma forma de viver com coerência ética. Os participantes relataram que os princípios cooperativistas influenciam suas decisões, seu modo de pensar e até suas relações fora da cooperativa. Há uma clareza de que se trata de um modelo que conecta o fazer com o ser, aproximando valores pessoais e práticas coletivas.
- Espiritualidade laica: mesmo sem conotação religiosa, há uma dimensão de transcendência no engajamento cooperativo — uma fé no coletivo, na justiça e na solidariedade.
Talvez o achado mais original da pesquisa tenha sido a identificação de uma forma de espiritualidade laica no cooperativismo. Sem vínculo com religiões específicas, essa espiritualidade emerge como sentido de transcendência ética e coletiva — uma experiência de fé no outro, no bem comum, na comunidade.
Essa espiritualidade é vivida nas atitudes de cuidado, na empatia com o próximo, na escuta, na confiança e na valorização da dignidade humana. Os participantes relataram sentir-se espiritualmente nutridos por estarem envolvidos em algo que promove justiça, equidade e pertencimento — mesmo que não usem termos religiosos para descrever isso.
Em tempos de descrença, isolamento e insegurança social, o cooperativismo aparece como uma resposta espiritual e concreta à busca de sentido, mostrando que é possível construir comunidades baseadas na confiança, no afeto e no compromisso com o bem comum.
A pesquisa revela ainda que o ethos cooperativista se manifesta nas relações cotidianas, nas narrativas e nos afetos entre cooperados, dirigentes e colaboradores. É na forma de se relacionar que o cooperativismo encontra sua essência.
“O ethos do cooperativismo é mais do que um conjunto de normas: é uma cultura, uma ética e uma espiritualidade vivida no cotidiano por quem acredita que a vida em comunidade é o melhor caminho para o bem comum.”
— Antonio Cleber Zequetto
Em tempos de transformação e incertezas, o estudo convida cooperativas e lideranças a refletirem:
O que sustenta verdadeiramente uma cooperativa?
Os produtos e serviços que oferece ou os laços que constrói?
A resposta, segundo Zequetto, está no campo dos afetos, do compromisso coletivo e da capacidade de cultivar vínculos genuínos. Uma tese que inspira — e emociona — o movimento cooperativo brasileiro.
Conheça a tese completa do doutorado no link
Antônio Cleber Zequetto é Doutor em Culturas Contemporâneas – UFMT
Gerente de Cooperativismo na Central Sicredi Nordeste
Instagram: @cleberzequetto