WCUC Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito

Desafios da boa governança em cooperativas de crédito

WCUC2025: Desafios da boa governança em cooperativas de crédito — 15 aprendizados globais sobre os desafios das cooperativas de crédito

De 14 a 16 de julho de 2025, a cidade de Estocolmo, na Suécia, está sendo o palco da WCUC 2025 – Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito, promovida pelo WOCCU (World Council of Credit Unions).

Entre os painéis mais enriquecedores da programação, a sessão “Enfrentando Desafios de Boa Governança” reuniu vozes do cooperativismo financeiro da Irlanda, Jamaica e Malawi para debater os obstáculos, tensões e boas práticas relacionados à governança no setor. Participaram do painel:

  • Barry Harrington (Irish League of Credit Unions – Irlanda)
  • Robin Levy (Jamaica Cooperative Credit Union League – Jamaica)
  • Fumbani Nyangulu (Malawi Union of Savings and Credit Cooperatives – Malawi)
  • Com moderação de Erin O’Hern (WOCCU – Internacional)

1. Governança em múltiplas velocidades: a diversidade estrutural do cooperativismo mundial

Um ponto inicial de consenso foi a constatação de que, ao redor do mundo, as cooperativas de crédito operam em níveis muito distintos de maturidade, regulação e estrutura organizacional. Fumbani Nyangulu, ao descrever a realidade de Malawi, explicou que muitas cooperativas ainda funcionam de forma artesanal, com dirigentes voluntários e processos informais.

Robin Levy reforçou que, na Jamaica, mesmo com cooperativas grandes e sólidas, a diversidade é marcante. Algumas contam com estrutura profissionalizada; outras, ainda dependem exclusivamente de lideranças voluntárias, muitas vezes sem formação técnica adequada.

Essa heterogeneidade exige que qualquer análise sobre governança seja feita com sensibilidade à realidade local, evitando comparações superficiais e importações automáticas de modelos.


2. Políticas vivas: a importância da governança baseada em normas atualizadas

Barry Harrington chamou atenção para um problema recorrente: a criação de políticas que, com o tempo, se tornam obsoletas. Muitas cooperativas elaboram um conjunto de documentos (como políticas de crédito, compliance, risco, TI), mas não os revisam regularmente, o que pode comprometer sua efetividade.

Ele alertou que políticas desatualizadas — mesmo que formalmente existentes — não protegem a instituição e tampouco atendem às exigências regulatórias. Robin acrescentou que, em contextos onde a supervisão é frágil, as políticas são muitas vezes vistas como peças “formais”, não como ferramentas de governança real.

Além de comprometer a governança, a falta de políticas atualizadas torna a cooperativa mais vulnerável a erros operacionais, falhas de compliance e respostas descoordenadas em momentos críticos, como crises financeiras, ciberataques ou mudanças regulatórias súbitas.”

A recomendação foi clara: as políticas precisam ser documentos vivos, revisitados periodicamente e conectados às práticas cotidianas da cooperativa.


3. A separação entre governança e gestão: base para um modelo saudável

Na Irlanda, a legislação consolidou, ao longo da última década, uma clara divisão de responsabilidades entre o conselho de administração e a equipe executiva. Barry destacou que o conselho é responsável por definir políticas, supervisionar riscos e monitorar resultados, enquanto a gestão cuida da execução operacional.

Essa demarcação — hoje considerada fundamental — ainda é um desafio em sistemas onde conselheiros se envolvem diretamente em decisões administrativas, como aprovação de crédito, contratação de pessoal ou interferência na rotina operacional.

Para os painelistas, a clareza de papéis é essencial para evitar conflitos, fortalecer a governança e proteger a autonomia da gestão.


4. Comitês estratégicos: entre a boa prática e a sobrecarga

A estruturação de comitês especializados — como os de auditoria, risco, nomeação e tecnologia — foi apontada como um avanço relevante para apoiar o conselho e distribuir responsabilidades. No entanto, Robin Levy alertou para um efeito colateral: em muitas cooperativas, os mesmos conselheiros participam de quatro ou cinco comitês, além do próprio conselho.

Esse acúmulo de responsabilidades gera sobrecarga, fadiga e redução da qualidade das decisões. Fumbani também compartilhou que, em Malawi, muitos comitês têm funções duplicadas ou mal definidas, o que dificulta a coordenação e aumenta a burocracia.

Os painelistas também alertaram que, quando mal estruturados ou mal compreendidos, os comitês deixam de ser instâncias técnicas de apoio e se tornam apenas mecanismos formais que referendam decisões já tomadas pela gestão, enfraquecendo a governança participativa.

A recomendação do painel foi equilibrar a criação de comitês com a capacidade técnica e de tempo dos conselheiros, evitando estruturas excessivas que comprometam a eficácia.


5. O desafio da formação e a crise da competência

“É caro formar conselheiros? Sim. Mas ignorância custa muito mais.” A frase de Fumbani sintetiza um dos pontos mais fortes do painel. Todos os participantes foram unânimes em destacar a falta de preparo técnico como um dos maiores riscos à governança.

Robin relatou que, na Jamaica, muitos conselheiros não possuem background em finanças, gestão ou legislação cooperativa. Por isso, as ligas e centrais investem cada vez mais em capacitações periódicas, com foco em leitura de balanços, gestão de riscos, governança e tomada de decisão.

Barry complementou: a complexidade regulatória está crescendo, e o dirigente precisa estar preparado para entender normas, auditar políticas, questionar dados e avaliar indicadores — sob pena de se tornar um “figurante” no processo decisório.


6. O envelhecimento dos conselhos e a crise de sucessão

Outro ponto de preocupação compartilhado foi o envelhecimento dos conselhos de administração. Robin observou que, duas décadas atrás, a média de idade dos conselheiros em sua região era próxima de 40 anos. Hoje, esse número ultrapassa 60 anos em muitas cooperativas.

A dificuldade de atrair jovens para cargos voluntários e a baixa atratividade das funções de governança geram uma crise de sucessão institucional. Fumbani relatou que, em Malawi, há conselheiros que permanecem anos nas mesmas funções, sem renovação ou rodízio.

Robin sugeriu que o modelo tradicional de reuniões, linguagem excessivamente formal e estruturas pouco inclusivas afastam os jovens — não por desinteresse ideológico, mas por falta de conexão com a forma como a governança é praticada.

Para enfrentar essa tendência, os painelistas recomendaram criar trilhas de formação para jovens líderes cooperativistas e repensar o modelo de governança para torná-lo mais dinâmico, participativo e atrativo às novas gerações.


7. Comitês de supervisão (equivalentes ao conselho de administração): modelo em transição

Em várias jurisdições, como Jamaica e Malawi, ainda se utiliza a figura do supervisory committee, que cumpre papel equivalente ao nosso conselho de administração. No entanto, em muitos casos, esse comitê acumula funções de auditoria, compliance e até aprovação de crédito, o que compromete a independência e a clareza institucional.

Robin relatou que, por vezes, há confusão entre supervisão e gestão, e alguns membros do comitê de supervisão se veem como executores, não como fiscalizadores. Fumbani reforçou que a relação entre o supervisory committee e o board nem sempre é bem definida, o que gera disputas de poder e ruído institucional.

A tendência global, segundo Barry, é evoluir para um modelo em que o conselho de administração tem papel estratégico e de definição de políticas, enquanto as funções de supervisão interna são assumidas por comitês técnicos de apoio, com foco em auditoria e risco.


8. Códigos de conduta: reforçando a integridade

Diante da crescente pressão por profissionalismo, muitos países passaram a adotar códigos de conduta formais para conselheiros, exigindo sua assinatura como condição para posse.

Fumbani explicou que, em Malawi, os reguladores passaram a exigir compromissos explícitos dos dirigentes sobre ética, confidencialidade, conflitos de interesse, dever fiduciário e prestação de contas. Em alguns casos, conselheiros também devem assinar termos de adesão ao plano estratégico da cooperativa e compromissos de participação mínima nas reuniões.

Robin defendeu que os códigos de conduta são uma ferramenta educativa e disciplinadora, mas que seu valor depende da capacidade de fiscalizar sua aplicação e aplicar consequências em caso de violação.


9. A tensão entre voluntariado e profissionalização: remuneração em debate

O tema da remuneração dos conselheiros gerou divergência e reflexões importantes. Barry Harrington explicou que, na Irlanda, a legislação proíbe qualquer forma de pagamento aos dirigentes cooperativistas, mesmo com a crescente carga de responsabilidades. “Ainda que não haja clamor por mudanças, o nível de exigência sobre os conselheiros aumentou consideravelmente”, afirmou.

Robin Levy, por sua vez, defendeu que, diante da sobrecarga dos voluntários e da complexidade das decisões, uma compensação — mesmo que simbólica — poderia ser considerada para reconhecer o esforço e facilitar a atração de novos talentos. Fumbani destacou que o equilíbrio entre voluntariado e profissionalismo precisa ser construído com base no contexto de cada cooperativa, mantendo-se fiel à identidade do movimento.


10. Tempo de mandato e risco de descontinuidade

A legislação irlandesa estabelece um limite de 12 anos de mandato para conselheiros, implementado a partir de 2014. Barry relatou que essa regra trouxe renovação e alinhamento institucional, mas também gerou um efeito colateral: a saída simultânea de dirigentes experientes, o que exige atenção à gestão da sucessão e transição de conhecimento.

Fumbani e Robin apontaram que, em seus países, ainda há conselheiros que permanecem por décadas no cargo, sem rodízio ou limites claros. Embora a permanência prolongada permita acúmulo de experiência, ela também dificulta a renovação e pode gerar imobilismo institucional. O painel defendeu que os limites devem vir acompanhados de estratégias de capacitação e sucessão planejada.

Em alguns modelos, como o irlandês, é possível que o conselheiro retorne após um período de afastamento, o que permite oxigenação sem a perda definitiva de lideranças experientes. Essa prática tem sido considerada um equilíbrio interessante entre renovação e continuidade.


11. O papel das tecnologias emergentes na governança

Com o avanço da transformação digital, a governança também precisa se adaptar a riscos cibernéticos, uso de inteligência artificial, compliance digital e proteção de dados. Robin relatou que algumas cooperativas na Jamaica já estruturaram comitês de tecnologia e inovação, mas enfrentam o desafio de recrutar pessoas com conhecimento técnico adequado para esses espaços.

Fumbani reforçou que, em Malawi, muitas cooperativas ainda não contam com conselheiros preparados para lidar com temas como infraestrutura de TI, segurança digital e análise de dados. A solução, segundo ele, tem sido contratar especialistas externos para apoiar os conselhos, promovendo qualificação progressiva da governança sobre temas emergentes.


12. Intervenção regulatória na composição dos conselhos

Em algumas jurisdições, os reguladores passaram a interferir diretamente na composição técnica dos conselhos. Robin relatou que, na Jamaica, já há exigências legais para inclusão de conselheiros com formação em áreas como contabilidade, direito e gestão de risco.

Essa tendência — embora contribua para a profissionalização — gera questionamentos sobre a autonomia da governança e a legitimidade democrática das eleições cooperativas. Barry observou que o equilíbrio entre tecnocracia e representatividade precisa ser cuidadosamente desenhado, respeitando os princípios do movimento cooperativista.

Além de exigir perfis técnicos nos conselhos, os reguladores também têm avançado para monitorar indicadores de governança — como rotatividade, frequência, independência e diversidade de conselheiros — criando um novo patamar de transparência e prestação de contas.


13. Transparência como base da confiança

O painel reforçou que a transparência institucional é a chave da confiança entre cooperativa e associado. Fumbani destacou que, mesmo diante de notícias ruins, é preferível ser franco e direto. “Esconder ou suavizar problemas mina a credibilidade da liderança”, alertou.

Barry acrescentou que, na Irlanda, episódios de crise só foram superados quando os conselhos adotaram posturas transparentes e abertas, comunicando claramente aos cooperados os desafios enfrentados e os caminhos a seguir. A confiança, uma vez rompida, leva anos para ser reconstruída — por isso, transparência é prevenção.


14. Governança como ativo competitivo

Com a retração de grandes bancos em algumas regiões da Irlanda, as cooperativas de crédito conquistaram espaço por meio de um diferencial claro: proximidade com o associado e governança sólida. Barry ressaltou que, por 10 anos consecutivos, as cooperativas foram reconhecidas como instituições de maior confiança no país.

Essa reputação foi construída com base em ética, consistência e prestação de contas. Para os painelistas, a boa governança não é apenas uma obrigação regulatória: é um ativo estratégico e reputacional que sustenta a perenidade do modelo cooperativo.

Além da confiança dos associados, a governança sólida também atrai profissionais qualificados, que buscam ambientes coerentes com valores éticos, participação democrática e transparência — especialmente entre as novas gerações.”


15. Governança: não é uma opção — é a base da sobrevivência

O painel se encerrou com uma mensagem clara: governança não é uma formalidade nem uma exigência externa — é uma condição de existência para as cooperativas de crédito. Em um mundo em transformação, lideranças frágeis, sem preparo ou sem ética, comprometem todo o projeto institucional.

Fumbani resumiu: “Fazer o certo não depende apenas da lei. A governança exige responsabilidade mesmo quando não há regulação explícita. O que protege o patrimônio dos associados não é a regra — é a conduta.”

Robin reforçou: “É caro treinar conselheiros, mas a falta de formação custa mais. A boa governança protege, atrai, fideliza e transforma. Sem ela, não há cooperativa que se sustente.”

Como alertaram os painelistas, a maior parte dos colapsos de cooperativas ao redor do mundo tem, como causa central, falhas graves de governança: conselhos omissos, ausência de controles, conflitos de interesse ou interferência indevida na gestão.


Sobre o WOCCU e a WCUC

O World Council of Credit Unions (WOCCU) é o órgão mundial de representação das cooperativas de crédito, promovendo o desenvolvimento e o fortalecimento do cooperativismo financeiro em escala global.

A WCUC – Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito é o principal evento internacional do setor, reunindo milhares de líderes, especialistas e representantes de cooperativas de crédito de todo o mundo para trocar experiências, debater tendências e fortalecer a atuação cooperativa.

Elaborado pelo Portal do Cooperativismo Financeiro

Mais informações: https://cooperativismodecredito.coop.br/tag/conferencia-mundial-das-cooperativas-de-credito/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *