WCUC2025: Como a IA está distorcendo a confiança
De 14 a 16 de julho de 2025, a cidade de Estocolmo, na Suécia, está sendo o palco da WCUC 2025 – Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito, promovida pelo WOCCU (World Council of Credit Unions). Em sua 20ª edição, o evento reúne lideranças do cooperativismo financeiro mundial para debater os grandes temas da atualidade, como inovação, sustentabilidade, inclusão financeira e transformação digital.
Uma das palestras mais impactantes da conferência foi conduzida por Confidence Staveley, especialista em cibersegurança e fundadora da CyberSafe Foundation. A nigeriana trouxe à tona uma reflexão profunda sobre o papel da identidade digital, os riscos emergentes da inteligência artificial (IA) e o colapso silencioso de um valor essencial: a confiança.
A era da identidade inteligente
Staveley propôs uma leitura histórica da evolução da identidade: da era tribal à era dos credenciais digitais, passando por governos, corporações e plataformas tecnológicas. Segundo ela, hoje vivemos a era da identidade inteligente, em que a identidade já não é apenas algo que se declara, mas sim algo que se observa e valida de forma contínua, com base em comportamentos, padrões de acesso, localização, contexto e sinais digitais.
Nesse novo cenário, a confiança deixou de ser uma sensação para se tornar uma infraestrutura de sobrevivência. Em suas palavras:
“Confiança é a decisão de agir na presença da incerteza, baseada naquilo que acreditamos sobre a identidade.”
Quando a confiança vira alvo
A palestrante revelou que os cibercriminosos já não tentam mais “invadir” sistemas: eles fazem login, como qualquer outro usuário. Por meio de engenharia social altamente personalizada, utilizam tecnologias de IA para clonar vozes, falsificar acessos, simular comportamentos e explorar pontos cegos em ambientes organizacionais.
Staveley apresentou exemplos práticos para ilustrar esses riscos:
- Nos EUA, um ataque a um distribuidor de alimentos esvaziou supermercados inteiros;
- Na Europa, uma varejista perdeu quase US$ 700 milhões em valor de mercado por causa de uma fraude por telefone;
- No Brasil, um prestador de serviço terceirizado do Banco Central cedeu acesso a criminosos em troca de menos de mil dólares, resultando na invasão de quatro bancos.
Em todos os casos, o vetor de entrada não foi um vírus, mas sim a manipulação da confiança.
A pobreza da confiança
Staveley nomeia o fenômeno atual como pobreza da confiança — uma escassez global de mecanismos confiáveis para verificar identidades e estabelecer relações seguras. “O verdadeiro campo de batalha hoje é a confiança. Porque é ela que está sendo explorada e distorcida”, afirmou.
Ela explicou que os ataques se concentram em:
- Núcleos de confiança, como centrais de atendimento e help desks;
- Ferramentas familiares, como aplicativos de videoconferência ou login com Google;
- Sinais de confiança obsoletos, como o cadeado verde no navegador (SSL), que já não garantem legitimidade.
Em sua crítica direta ao discurso superficial de segurança, lançou a provocação:
“Se o seu plano de segurança ainda depende de ‘não clique no link’, então você não tem um plano.”
Riscos reais, ações urgentes
Entre os principais pontos de atenção levantados na palestra, destacam-se:
- A IA permite ataques com escala e velocidade inéditas;
- Ferramentas de autenticação (como MFA) podem ser ineficazes se inseridas em sites falsos;
- O uso de tecnologias legítimas (como SSL) por criminosos engana os usuários;
- A linha entre identidade e confiança foi quebrada, e agora precisamos reconstruí-la.
A solução, segundo Staveley, exige procedimentos claros, tecnologias com validação contínua, cultura de segurança e treinamentos baseados em contexto humano real — como stress, horário, pressão e manipulação emocional.
O papel das cooperativas de crédito
Staveley destacou que as cooperativas têm uma enorme responsabilidade nesse cenário, justamente por estarem ancoradas em valores como confiança, proximidade e pertencimento. Cabe a elas:
- Promover educação digital crítica para colaboradores e associados;
- Auditar e reforçar processos de autenticação;
- Exigir padrões robustos de segurança também de terceiros e fornecedores;
- E repensar os sistemas atuais à luz da nova realidade digital.
“A identidade foi sequestrada. E com ela, a confiança. Precisamos reconstruir isso com novas ferramentas, novos sinais e novas filosofias.”
Sobre o WOCCU e a WCUC
O WOCCU (World Council of Credit Unions) é o Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito, que representa mais de 393 mil cooperativas em 118 países. A WCUC (World Credit Union Conference) é o principal evento internacional do setor, promovendo a troca de experiências, a discussão de tendências e a construção de alianças em prol do cooperativismo financeiro.
Para mais informações sobre a conferência:
https://cooperativismodecredito.coop.br/tag/conferencia-mundial-das-cooperativas-de-credito/
Elaborado pelo Portal do Cooperativismo Financeiro