WCUC2025 e o Ano Internacional das Cooperativas
De 14 a 16 de julho de 2025, a cidade de Estocolmo, na Suécia, está sendo o palco da WCUC 2025 – Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito, promovida pelo WOCCU (World Council of Credit Unions). Um dos destaques da programação foi a sessão “Como o Advocacy Está Avançando o Ano Internacional das Cooperativas”, realizada em 15 de julho, com a presença de quatro importantes lideranças globais do setor.
Participaram do painel:
- Nina Schindler – CEO da European Association of Co-operative Banks (EACB)
- Sylvia O. Paraguya – Diretora da NATCCO – National Confederation of Cooperatives (Filipinas)
- Erin O’Hern – Diretora de advocacy do WOCCU
- Miriam De Dios Woodward – CEO da De Dios Consulting LLC (EUA)
O peso do cooperativismo bancário na Europa
Nina Schindler iniciou o painel apresentando dados que evidenciam a relevância do cooperativismo bancário na União Europeia. Hoje, aproximadamente 90 milhões de cidadãos europeus são membros de cooperativas financeiras, o equivalente a 1 em cada 5 habitantes da UE. Os bancos cooperativos atendem 30 milhões de clientes ativos e detêm uma expressiva fatia de mercado — até 50% no segmento de micro e pequenas empresas, em algumas regiões.
Esse protagonismo, segundo Nina, garante aos bancos cooperativos um canal direto com os reguladores europeus. Ela destacou a importância de atuar preventivamente nos debates legislativos, com estratégias estruturadas de advocacy, buscando moldar políticas desde a sua origem, e não apenas reagir a elas.
Um exemplo concreto citado por Nina foi o convite recebido pela EACB para participar de um jantar estratégico com a presidência da Comissão Europeia antes da posse formal do novo colegiado. A pauta incluiu temas como transição energética, soberania alimentar e financiamento rural, mostrando que o setor cooperativo é visto como ator relevante em temas centrais para o futuro da Europa.
O papel do advocacy global e do WOCCU
Erin O’Hern trouxe a visão do WOCCU sobre o Ano Internacional das Cooperativas, enfatizando que a campanha não se limita à celebração simbólica, mas serve como ferramenta de articulação global em defesa do modelo cooperativo. O objetivo é construir uma narrativa única, que possa ser usada por cooperativas e federações ao redor do mundo para demonstrar o impacto social e econômico do setor.
Erin explicou que o WOCCU tem promovido ações junto a fóruns internacionais — como o G20 — para garantir que os marcos regulatórios e as recomendações internacionais reconheçam as particularidades das cooperativas de crédito. Um ponto central é evitar que as mesmas regras aplicadas a grandes bancos sejam impingidas às cooperativas, o que comprometeria sua missão de inclusão e proximidade.
Ela também mencionou os avanços nas diretrizes da FATF (Grupo de Ação Financeira Internacional), que vêm recomendando uma abordagem proporcional ao risco em políticas de prevenção à lavagem de dinheiro (AML) e Know Your Customer (KYC), favorecendo a inclusão sem comprometer a segurança.
Desafios nas Filipinas: reconhecimento regulatório e independência
A fala de Sylvia O. Paraguya, representando a NATCCO das Filipinas, trouxe uma perspectiva instigante: o desafio de conseguir ser regulado. Em países como o seu, as cooperativas de crédito ainda enfrentam resistência por parte dos governos para serem reconhecidas formalmente como instituições financeiras.
Recentemente, a autoridade de seguros de depósitos (Deposit Insurance Corporation) sinalizou que irá incluir as cooperativas em seu escopo. Para Sylvia, esse é um avanço significativo, mas também exige cautela. Ela alertou para o risco de que o apoio governamental se transforme em controle excessivo, o que comprometeria a autonomia do setor. A busca é por apoio regulatório com independência institucional.
Ela compartilhou a atuação da NATCCO junto ao parlamento filipino, incluindo estratégias como:
- Contar quantas vezes as cooperativas são mencionadas em documentos oficiais;
- Solicitar participação nas consultas públicas de estratégias nacionais, como os planos de inclusão financeira;
- Exigir que a legislação reconheça a função social das cooperativas no desenvolvimento das comunidades.
Mensuração do impacto social e defesa da isenção tributária
Sylvia também destacou que, diante de ameaças à isenção fiscal das cooperativas nas Filipinas, foi necessária uma mobilização nacional com manifestações públicas, seguida de intensa negociação com as comissões parlamentares. O principal argumento utilizado foi evidenciar que as cooperativas geram empregos, desenvolvem comunidades e promovem o empreendedorismo, funcionando como um agente que reduz a dependência do Estado, e não como um “privilegiado fiscal”.
Esse é um exemplo claro de defesa institucional embasada em dados sociais, que pode servir de inspiração para movimentos semelhantes em outros países — inclusive no Brasil — especialmente em tempos de revisão de incentivos e benefícios fiscais.
Miriam De Dios: visão estratégica para o futuro
Por fim, Miriam De Dios Woodward complementou com uma visão norte-americana sobre como transformar o Ano Internacional das Cooperativas em uma agenda permanente de impacto. Ela defendeu que, além das ações externas, o momento exige uma reflexão interna profunda sobre o propósito cooperativo.
Miriam propôs que as cooperativas devem aproveitar esse período para:
- Fortalecer as mensagens institucionais e a presença junto a legisladores;
- Engajar novas gerações, especialmente por meio da transformação digital;
- Ampliar a mensuração do impacto social;
- Demonstrar, com dados e histórias reais, como o cooperativismo promove desenvolvimento sustentável, equidade e inclusão.
Juventude, digitalização e futuro do cooperativismo
Um ponto enfatizado por Miriam foi a urgência de atrair jovens para o movimento cooperativo, oferecendo soluções digitais modernas, experiência de usuário aprimorada e, principalmente, um propósito claro e transformador. Segundo ela, o Ano Internacional das Cooperativas deve servir como uma plataforma estratégica para posicionar as cooperativas como organizações do futuro, e não do passado. A mensagem para os próximos anos é clara: renovação geracional, transformação digital e identidade cooperativa precisam caminhar juntas.
Diferenciação entre cooperativas e bancos cooperativos
Durante o painel, houve ênfase em mostrar que as cooperativas financeiras — sejam elas credit unions ou bancos cooperativos — operam de forma distinta das instituições financeiras convencionais, e que isso precisa ser refletido na regulamentação.
- Erin O’Hern, do WOCCU, destacou que é essencial “explicar a diferença cooperativa”, ou seja, tornar compreensível para reguladores e organismos internacionais por que as cooperativas não devem ser tratadas como bancos comerciais tradicionais. Essa diferenciação está na governança democrática, na ausência de fins lucrativos tradicionais, e na relação de proximidade com os membros.
- Nina Schindler, representando os bancos cooperativos europeus, mostrou que mesmo no espaço bancário regulado, os bancos cooperativos mantêm estrutura própria, missão social e formatos de governança distintos. Ela explicou que, na Europa, há modelos variados — desde entidades com uma só licença e um balanço consolidado, até grupos com bancos regionais autônomos, como na França. O ponto comum, porém, é a base cooperativa dos membros e a lógica de propósito.
- Também foi citado que, apesar de serem chamados de “bancos”, os bancos cooperativos na Europa e os credit unions em outros continentes seguem o modelo de propriedade pelos membros, retorno social e ausência de acionistas externos, o que os diferencia em essência das demais instituições financeiras.
O Ano Internacional como instrumento de influência duradoura
Na parte final do painel, Erin O’Hern reforçou que o Ano Internacional das Cooperativas não deve ser encarado como uma simples comemoração simbólica. Segundo ela, trata-se de uma plataforma estratégica de posicionamento político-institucional para o setor cooperativo em nível global.
Mais do que celebrar a identidade cooperativa, o momento deve ser aproveitado para influenciar políticas públicas, aprimorar a comunicação com reguladores, fortalecer a percepção pública e, sobretudo, construir um legado mensurável.
“É uma oportunidade para compartilhar histórias, números e práticas que expliquem por que existimos e o que nos diferencia”, afirmou Erin. Ela chamou a atenção para o papel de cada cooperativa e federação em ampliar a visibilidade do modelo cooperativo, alinhando-se a uma narrativa global, mas com impacto local.
Essa visão estratégica transforma o Ano Internacional em um marco para construção de agendas propositivas, dados consolidados e reconhecimento institucional — elementos fundamentais para o futuro do cooperativismo financeiro.
Conclusão: uma agenda global que exige unidade
Ao final da sessão, as quatro painelistas reforçaram a necessidade de trabalhar de forma coordenada em nível global. O Ano Internacional das Cooperativas é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma responsabilidade: a de comunicar, com clareza e consistência, o diferencial cooperativo.
A experiência compartilhada por líderes da Europa, Filipinas e Estados Unidos mostra que, apesar das realidades distintas, existe um ponto comum: o cooperativismo só avançará se for capaz de influenciar as decisões políticas e regulatórias que moldam o setor financeiro.
Sobre o WOCCU e a WCUC
O WOCCU (World Council of Credit Unions) é o órgão global de defesa, desenvolvimento e representação das cooperativas de crédito. Atua em mais de 100 países promovendo inclusão financeira, boas práticas e fortalecimento do setor cooperativo.
A WCUC (World Credit Union Conference) é a conferência mundial do WOCCU, que reúne anualmente lideranças cooperativistas de todo o mundo. Em 2025, o evento celebra sua 20ª edição na cidade de Estocolmo, Suécia, com o lema de conectar, inovar e transformar o cooperativismo de crédito no cenário global.
Para mais informações sobre a WCUC 2025, acesse:
https://cooperativismodecredito.coop.br/tag/conferencia-mundial-das-cooperativas-de-credito/
Elaborado pelo Portal do Cooperativismo Financeiro