Nos últimos anos, a sigla ESG ganhou relevância em todos os setores da economia. Muitos enxergam nessa pauta apenas uma exigência legal ou de mercado, algo a ser cumprido para evitar sanções ou para atender a expectativas de investidores ou consumidores. Outros, no entanto, acreditam profundamente na necessidade de incorporar práticas ambientais, sociais e de governança como parte do propósito de suas organizações.
É nesse grupo que o cooperativismo se insere. Não porque precisamos seguir uma tendência, mas porque nascemos com essa vocação. Desde o século XIX, valores e princípios como a responsabilidade e o compromisso com a comunidade já compõem a nossa doutrina. Por isso, não devemos apenas “nos acostumar” com a agenda da sustentabilidade — precisamos puxar esse movimento; estar um passo à frente, enfim, ser protagonistas.
Dupla Identidade: Empresa e Comunidade
Uma instituição financeira cooperativa só faz sentido quando consegue equilibrar dois elementos:
- Mérito empresarial, para assegurar eficiência, resultados e competitividade;
- Engajamento comunitário, para transformar a realidade das pessoas e territórios.
Se descuidarmos de um desses lados, perdemos o rumo. Sem resultado econômico, não há sustentabilidade financeira. Sem compromisso comunitário, não passamos de mais um banco ou de uma plataforma digital qualquer. O cooperativismo é justamente o encontro dessas duas dimensões — e é disso que nasce o nosso valor sustentável.
Compromissos e Pactos
Nossos compromissos são claros. O primeiro pacto é com os nossos valores e princípios. Nessa dimensão, o sétimo princípio cooperativista, que prefiro traduzir como compromisso com a comunidade, é o corolário de todos os demais.
Estamos também vinculados ao Pacto Global da ONU e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Além disso, fomos reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. O mundo olha para as cooperativas com muita expectativa. E, quando a ONU proclama que “as cooperativas constroem um mundo melhor”, não está nos oferecendo apenas um elogio, mas (ainda mais) cobrando coerência entre discurso e prática.
Sustentabilidade como Condição de Competitividade
O Brasil, situado no Sul Global, é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Se nada for feito, as perdas podem chegar a 18% do PIB até 2050. Esse dado, por si só, justifica a urgência de agir.
Além disso, pesquisas recentes indicam que 76% das empresas consideram o ESG essencial para a estratégia de negócios, não apenas como custo ou estratégia reputacional. É uma agenda de sobrevivência e de competitividade. Para nós, cooperativas, trata-se também de honrar nossa identidade e diferenciar-nos de atores convencionais da nossa indústria.
Desafios que São Oportunidades
Listei recentemente cinco desafios prioritários para o cooperativismo na perspectiva da sustentabilidade, que também são grandes oportunidades:
- Engajar e capacitar lideranças, colaboradores e associados.
- Integrar a sustentabilidade à estratégia de negócio.
- Utilizar dados ESG de forma estratégica e transparente.
- Gerir emissões e adaptar-se à agenda climática.
- Cumprir regulações e transformar exigências em diferenciais de governança.
Desafio, para merecer a nossa atenção e os nossos esforços, deve gerar repercussão positiva. Em tal perspectiva, cada uma dessas iniciativas é uma chance de inovarmos, crescermos e fortalecermos nossa legitimidade.
Inclusão e Impacto Social
As cooperativas financeiras chegam a lugares onde os bancos não chegam. Enquanto bancos precisam de grandes mercados para se instalar, cooperativas estão presentes em cidades de pequeno porte, levando inclusão e cidadania.
Hoje, somos a única instituição financeira em 469 municípios brasileiros — chegando a 1.000 localidades se desconsiderados os postos de atendimento bancários (PAA). Essa presença faz diferença: menos famílias dependem do Bolsa Família, mais jovens concluem o ensino superior e geram-se mais perspectivas de desenvolvimento.
Isso é inclusão de verdade. Isso é sustentabilidade na prática.
Entregas que Geram Orgulho
Em 2024, apenas os sistemas de três níveis — Cresol, Sicoob e Sicredi — entregaram:
- R$ 47,2 bilhões em economia de juros;
- R$ 4,8 bilhões em remuneração adicional sobre aplicações;
- R$ 8 bilhões em devolução de excedentes;
- R$ 60 bilhões de benefício econômico total;
- R$ 995 milhões em investimentos sociais; e, ainda,
- R$ 15,8 bilhões de resultado contábil.
São números que mostram que o cooperativismo é capaz de unir solidez econômica, justiça financeira e compromisso social.
Novas Oportunidades no ESG
O futuro exige de nós:
- Maior presença dos jovens, sem descuidar dos sêniors;
- Equidade de gênero e etária nos conselhos;
- Renovação sucessória, garantindo que novos líderes estejam preparados;
- Engajamento climático efetivo, que pode ser também uma vantagem competitiva;
- E, sobretudo, ABC – Aplicar a Boa Comunicação, para dar visibilidade aos bons feitos do cooperativismo.
Voz, e não eco
Encerro citando três personagens importantes cujas manifestações estão associadas ao tema:
Alexandre Tombini, ex-presidente do Banco Central: “A sustentabilidade socioambiental está na gênese do cooperativismo”.
Paul Treinen, CEO do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito (Woccu): “O mundo precisa mais do que fazemos – e da forma como fazemos”.
Simone Weil: Assim como as plantas precisam do solo, os seres humanos precisam de raízes na comunidade.”
E acrescento uma reflexão final: nossos ideais precisam corresponder aos fatos. No campo da sustentabilidade, o cooperativismo tem que ser a voz — e não o eco!
Ênio Meinen, diretor de Coordenação Sistêmica, Sustentabilidade e Relações Institucionais do Sicoob e autor de Cooperativismo Financeiro na Década de 2020: sem filtros! (Confebras, 2020 – 2ª ed./2023)