De início, cabe enfatizar o mérito dos atuais administradores das cooperativas de crédito, muitos deles fundadores dessas instituições, que tiveram a louvável iniciativa e a coragem de criá-las em conjuntura de muita dificuldade e o desafio de conduzi-las com crescimento sólido ao que são hoje, com participação relevante no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e cumprindo o papel de instrumento de desenvolvimento regional. Falar sobre a importância da participação de mulheres e jovens na gestão das cooperativas não é questionar o caminho que nos trouxe até aqui, mas propor uma reflexão sobre o futuro que desejamos construir.
Atualmente muito se fala em atração de jovens e mulheres para o cooperativismo de crédito e sua participação na gestão. Não por modismo, naturalmente, mas porque, com a abertura das cooperativas à livre admissão, constituem parcela do quadro de associados que deve estar representada, buscando trazer para a cooperativa os interesses das classes que representam.
Assim recomenda o Código das Melhores Práticas em Governança Corporativa – IBGC, quando frisa que a composição do conselho de administração deve considerar a elaboração de uma matriz de competências e contemplar a diversidade de conhecimentos, experiências, faixa etária, gênero, cor ou raça, etnia, orientação sexual, entre outros aspectos que reflitam a realidade na qual estão inseridas a organização e suas partes interessadas.
São públicos com linguagem, necessidades e interesse próprios.
Os jovens são a segurança da perenidade da cooperativa em cenários cada vez mais competitivos e cujo conhecimento de mercado financeiro eles já buscam na internet, na amplitude de possibilidades de operações financeiras. Fazer com que alcancem os princípios e diferenciais cooperativistas é o grande desafio.
Já as mulheres, de há muito se tornaram proprietárias e ou/gestoras de negócios. Estudo do Sebrae sobre o empreendedorismo feminino divulgado em 2024 aponta que existem 30 milhões de empreendedores no país, sendo que, desse total, as mulheres somam mais de 10 milhões à frente do próprio negócio, um crescimento acumulado de cerca de 42% entre 2012 e 2024. Pensando nesse público, algumas cooperativas já oferecem linhas de crédito específicas para mulheres empreendedoras. No entanto, surge um ponto crucial: como essas cooperativas podem realmente compreender as necessidades e a linguagem desse público se as mulheres ainda não estão representadas nos espaços de alta gestão?
Não descurando da necessidade de atração dos jovens para o cooperativismo e importância de sua participação na gestão, é às mulheres que quero dedicar atenção.
Segundo o Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) dezembro de 2024, do Banco Central do Brasil, a participação feminina em órgãos de direção nas cooperativas de crédito avançou, mas a representatividade ainda é baixa. Em conselhos de administração, as mulheres ocupavam 16,3% dos cargos em dezembro de 2023, passando para 17,1% em abril de 2025, índice próximo ao do SFN, de 16,7%. Nas diretorias, a participação feminina passou de 23,2% para 24,5%, superior ao observado no SFN, de 19,6% em abril de 2025 (Gráfico 2.9). Nos cargos de presidência, a representatividade feminina apresentou um leve recuo, de 7,1% em dezembro de 2023 para 7,0% em abril de 2025 em conselhos de administração e um significativo aumento, de 18,2% para 21,9% no mesmo período em diretorias (Gráfico 2.10).


Há vários incentivos à participação feminina, como os citados a seguir.
O IBGC, há uma década, forma e conecta mulheres com o propósito de ampliar sua atuação em conselhos de administração, consultivos, deliberativos e comitês de assessoramento, por meio do Programa Diversidade em Conselho Elas (PdeC Elas). Criado em 2014, o PDeC Elas é uma das principais iniciativas do IBGC voltadas à promoção da diversidade de gênero na governança corporativa. Desde então, mais de 240 mulheres já passaram pelo programa, fortalecendo uma rede de lideranças femininas preparadas para atuar em posições estratégicas de tomada de decisão.
Em 2020, o Sistema OCB, como um dos desdobramentos do 14º Congresso Brasileiro do Cooperativismo (CBC), criou o Comitê Nacional de Mulheres Elas pelo Coop, que é formado por cooperadas ou empregadas de cooperativas. A missão do Comitê é ampliar a participação de mulheres no cooperativismo, especialmente em cargos de liderança. Além disso, para apoiar as cooperativas a colocar em prática as iniciativas de inclusão feminina, o Sistema OCB disponibiliza o Manual de Implementação de Comitês de Mulheres nas Cooperativas, com o passo a passo para estruturar a criação dos grupos em cada cooperativa, do planejamento à formação continuada das participantes e conta também com um Guia de Implantação de Estratégias em Inclusão, Diversidade e Equidade, com orientações e ferramentas para um trabalho nessa temática. O Sistema OCB oferta também programas de capacitação específicos para esse público, como a trilha de conhecimento Jornada de Formação Liderança Feminina, com módulos sobre liderança feminina, cooperativismo e desenvolvimento pessoal, disponível na plataforma CapacitaCoop, com acesso livre e gratuito.
A Confebras prepara, para lançamento no próximo ano, o livro “Vozes que ecoam”, com narrativas que revelam o protagonismo feminino na gestão das cooperativas de crédito: trajetórias marcadas por desafios, conquistas e aprendizados que merecem ser compartilhados e celebrados, visando registrar e amplificar o impacto das mulheres que constroem, com propósito, um futuro mais justo, solidário e sustentável.
Incentivos não faltam, iniciativas sim. Aos poucos este cenário vai mudando, mas pode ser acelerado com decisões estratégicas das cooperativas de crédito em ampliar a participação feminina em suas lideranças.
Neste Ano Internacional das Cooperativas, quero aproveitar para homenagear as mulheres que estiveram e as que estão, como presidente, à frente de Conselho de Administração ou Diretoria Executiva. Para representá-las, havia escolho a Sra. Margarida Maria Alacoque (na foto que ilustra este texto), de quem bem me lembro nos tempos de Banco Central, quando da entrega da manifestação favorável ao projeto de transformação da Cooralcredi em livre admissão de associados, em 2007, quando resultou na Sicoob Credialp. Com o texto já pronto para ser publicado, surge uma grande novidade, que também merece registro e homenagem: Tânia Zanella torna-se presidente executiva da OCB, a partir de reforma estatutária que moderniza a gestão, implantando modelo dual de governança, com Márcio Lopes de Freitas como presidente do Conselho de Administração.
A Sra. Margarida, em 1988, participou da criação da então Cooralcredi, cooperativa de crédito voltada ao produtor rural, compondo a primeira diretoria como secretária e depois, por muitos anos, ocupou o cargo de diretora-presidente do Sicoob Credialp. Faleceu em abril deste ano e a sede da cooperativa levará seu nome, em justo reconhecimento à sua importância e atuação.
Tânia Zanella, até então Superintendente da OCB, já mostrou sua competência, dedicação e paixão pelo cooperativismo, que pude testemunhar a partir de dezembro de 2013, quando se iniciou a fase pré-operacional do FGCoop, com essencial apoio logístico, administrativo e de TI da OCB.
Que esses exemplos inspirem outras cooperativas a comporem seus conselhos com mulheres competentes e atuantes, que honrem e multipliquem o legado dos fundadores. E que compreendam que esse movimento não se trata de ‘cumprir tabela”, mas de reconhecimento, estratégia e perenidade do negócio.
Lúcio César de Faria, especialista em cooperativismo financeiro

