Cooperativismo de Crédito na Áustria

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Na Áustria, o cooperativismo de crédito ocupa uma posição central no sistema financeiro, combinando uma herança centenária com forte relevância contemporânea. As duas principais redes cooperativas do país — o Raiffeisen Banking Group (RBG) e o Volksbanken-Verbund — juntas detêm cerca de um terço dos depósitos bancários nacionais. Mais do que instituições financeiras, esses sistemas representam modelos distintos de organização cooperativa, com atuação complementar e profunda conexão com o desenvolvimento regional e nacional.

O cooperativismo financeiro austríaco tem raízes no século XIX, quando duas correntes filosóficas deram origem a formas distintas de organização bancária cooperativa. O modelo Raiffeisen, inspirado por Friedrich Wilhelm Raiffeisen, surgiu em comunidades rurais com foco na solidariedade e no desenvolvimento local. Já o modelo Schulze-Delitzsch, idealizado por Hermann Schulze-Delitzsch, nasceu em ambientes urbanos e industriais, voltado para artesãos, comerciantes e profissionais liberais. Essas visões deram origem a dois sistemas cooperativos que coexistem até hoje: o Raiffeisen Banking Group e o Volksbanken-Verbund.

O Raiffeisen Banking Group: Capilaridade, Federalismo e Alcance Internacional

O Raiffeisen Banking Group é o maior sistema bancário cooperativo da Áustria e, em termos de ativos, a maior instituição financeira do país. Sua estrutura é federativa e composta por três níveis: cooperativas locais, bancos regionais e uma instituição central.

Na base, existem centenas de bancos cooperativos Raiffeisen independentes, presentes em praticamente todas as comunidades austríacas. Ao final de 2022, eram 327 cooperativas locais, operando mais de 1.600 agências em todo o país — a rede de atendimento bancário mais densa da Áustria. Cada banco é de propriedade de seus membros, o que garante enraizamento comunitário e decisões alinhadas às necessidades regionais.

Acima das cooperativas locais, há oito bancos regionais Raiffeisen, os Raiffeisen-Landesbanken, que atuam em cada estado federado austríaco. Essas instituições coordenam e apoiam financeiramente as cooperativas de base, oferecendo serviços de segundo nível como gestão de liquidez, produtos bancários especializados, tecnologia compartilhada e representação política.

No topo da estrutura está o Raiffeisen Bank International (RBI), sediado em Viena, que atua como banco central do grupo. A RBI coordena estratégias de grupo, provê serviços integrados e lidera a presença internacional do sistema. Desde a fusão com o antigo Raiffeisen Zentralbank (RZB) em 2017, a RBI consolidou sua governança e fortaleceu o capital do grupo. A RBI também opera como braço internacional do RBG, com atuação significativa em diversos países da Europa Central e Oriental, tornando o Raiffeisen austríaco um dos raros sistemas cooperativos com alcance multinacional.

Com cerca de €400 bilhões em ativos, o RBG representa aproximadamente 30% do mercado de crédito nacional. Quase metade da população austríaca é cliente de alguma cooperativa Raiffeisen, e cerca de 1,7 milhão de austríacos são membros cooperados. O grupo emprega cerca de 33 mil colaboradores e desempenha papel relevante no mercado de trabalho do país.

Fiel à filosofia cooperativista, o RBG mantém foco no desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais. Historicamente, suas cooperativas privilegiam crédito para pequenas e médias empresas, agricultura familiar, comércio e turismo regional — setores que constituem a base da economia austríaca fora dos grandes centros. Ao mesmo tempo, o grupo oferece a seus clientes todo o leque de serviços financeiros de um banco universal, com o diferencial da proximidade e da presença local. O RBG também se orgulha de ser integralmente de propriedade austríaca, reforçando seu compromisso de longo prazo com o país.

O Sistema Volksbank: Reestruturação, Foco Urbano e Compromisso Local

O Volksbanken-Verbund constitui o segundo grande pilar do cooperativismo de crédito na Áustria, com origens ligadas ao movimento cooperativo urbano de Schulze-Delitzsch. Tradicionalmente, as Volksbanken atendem comunidades em cidades de pequeno e médio porte, pequenos empreendedores urbanos, profissionais liberais e trabalhadores do comércio e serviços.

Até o início dos anos 2010, a rede Volksbank era formada por dezenas de cooperativas independentes. No entanto, dificuldades financeiras após a crise de 2008 levaram a um amplo processo de reestruturação. Em 2015, as múltiplas cooperativas fundiram-se em apenas oito bancos regionais, cada qual abrangendo uma grande região do país. Além desses, a rede inclui instituições cooperativas especializadas, como o banco dos médicos e farmacêuticos (Ärzte- und Apothekerbank) e a marca SPARDA-Bank, que atendem nichos específicos.

A coordenação de todo o grupo ficou a cargo da Volksbank Wien AG, que desde julho de 2015 atua como banco central do Volksbanken-Verbund. Essa consolidação administrativa trouxe maior solidez e permitiu à rede Volksbank cumprir exigências regulatórias europeias de maneira unificada. Ao final de 2022, o grupo contava com aproximadamente nove instituições cooperativas principais, 236 agências de atendimento e cerca de 3.033 funcionários em todo o país.

Após a reorganização, o Volksbanken-Verbund se reposicionou como um banco de âmbito nacional, porém focado exclusivamente no mercado interno austríaco. Com uma base de clientes em torno de 1 milhão de pessoas, as Volksbanken detêm cerca de 8% dos depósitos bancários na Áustria. Em termos de ativos totais, o grupo registrou cerca de €29,2 bilhões em 2022. Apesar de seu porte mais modesto em relação ao RBG, o Volksbanken-Verbund alcançou indicadores financeiros robustos, como índices de capitalização acima de 15% e retomada de lucratividade consistente até 2024. Em 2023, a Comissão Europeia declarou encerrado o processo de reestruturação, reconhecendo que o grupo recuperou sua independência financeira sem mais necessidade de suporte governamental.

A Volksbank Wien AG também opera comercialmente na capital e concentra serviços corporativos e de mercado de capitais. Historicamente, o grupo manteve laços com cooperativas internacionais, como o alemão DZ Bank e a seguradora Munich Re. Após a reestruturação, o controle acionário foi nacionalizado, e as parcerias passaram a se concentrar em tecnologia e oferta de produtos, sem comprometer a autonomia estratégica austríaca. Diferentemente do RBG, o Volksbanken-Verbund não possui mais operações internacionais — suas antigas subsidiárias no Leste Europeu foram vendidas, muitas delas adquiridas pela própria RBI.

As Volksbanken se caracterizam por um perfil regional urbano/comunitário, complementar à pegada rural do Raiffeisen. Cada Volksbank regional funciona como banco da comunidade em sua área, atendendo famílias, comerciantes locais, pequenas empresas e entidades comunitárias. Quase 96% de todos os financiamentos concedidos pelo grupo destinam-se a iniciativas dentro do próprio país. Com a retomada da estabilidade, o grupo lançou iniciativas como o programa “Zukunftsmilliarde”, que destina recursos adicionais para impulsionar investimentos de PMEs e sustentar a economia real.

Tendências e Desafios

Ambos os sistemas cooperativos demonstram resiliência e capacidade de adaptação. Nos últimos anos, investiram fortemente em transformação digital, reconhecendo a necessidade de modernizar a experiência do cooperado sem perder a essência de relacionamento. O RBG expandiu sua plataforma Omni-Channel, enquanto as Volksbanken implementaram o Hausbanking, solução digital alinhada à consultoria personalizada das agências.

Outra tendência marcante é o foco em financiamento sustentável e princípios ESG. As cooperativas austríacas têm vocação natural para práticas sustentáveis, dada sua ligação direta com o desenvolvimento local e com a economia real. Recentemente, tanto Raiffeisen quanto Volksbank lançaram iniciativas de crédito verde e aderiram a padrões internacionais de sustentabilidade. No Volksbanken-Verbund, foram incorporados critérios ESG no gerenciamento de riscos e na concessão de empréstimos, além de parcerias para financiar cooperativas de energia renovável e projetos ambientais. O RBG participa de programas cooperativos europeus voltados à responsabilidade socioambiental e investe em educação financeira de seus membros.

Do ponto de vista de desafios, o setor cooperativo enfrenta a contínua pressão regulatória e concorrencial. A necessidade de cumprir normas internacionais de capital e liquidez exige que cooperativas muitas vezes pequenas atuem de forma integrada para ganhar escala — algo que o RBG já faz naturalmente, e que o Volksbanken-Verbund alcançou com sua fusão interna. Além disso, há o desafio de atrair e engajar as próximas gerações de cooperados em um ambiente repleto de fintechs e grandes bancos digitais globais. Para isso, as cooperativas apostam em seu diferencial de relacionamento humano e participação do associado na gestão, atributos valorizados por uma parcela significativa do público que busca serviços financeiros com propósito.


O cooperativismo de crédito na Áustria é um exemplo de diversidade organizacional e resiliência. Os sistemas Raiffeisen e Volksbank representam modelos distintos, mas convergentes em sua missão de promover inclusão financeira, desenvolvimento regional e prosperidade com propósito. Juntos, formam uma base sólida para um sistema financeiro mais humano, sustentável e conectado às comunidades que servem.

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