Mondragón Corporación Cooperativa (MCC)

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A história da Mondragón Corporación Cooperativa (MCC) remonta aos anos sombrios da Espanha do pós-Guerra Civil. No início da década de 1940, a cidade de Arrasate-Mondragón, localizada na província de Gipuzkoa, no País Basco, enfrentava um contexto de empobrecimento, desemprego crônico e forte repressão política. Nesse cenário de ruínas econômicas e sociais, chegou à cidade um jovem padre católico chamado José María Arizmendiarrieta, figura que daria origem à mais sólida experiência de cooperativismo de trabalho do mundo.

Arizmendiarrieta havia sido preso e condenado à morte durante a guerra por seu envolvimento com ideias democráticas e reformistas. Foi posteriormente libertado e designado para exercer sua missão pastoral em Mondragón. No entanto, sua atuação foi muito além do púlpito: com uma visão profundamente social da fé, Arizmendi se dedicou a promover educação técnica, justiça social e protagonismo dos trabalhadores, enxergando o cooperativismo como a ferramenta para transformação econômica e comunitária.

A escola que originou o sistema Mondragón

Compreendendo que a educação era a base para qualquer mudança estrutural, Arizmendi fundou, em 1943, uma escola politécnica democraticamente administrada. Nela, jovens de origem humilde eram formados em ofícios técnicos e, ao mesmo tempo, recebiam formação humanista e cooperativista. A escola seria, anos mais tarde, o berço de uma nova geração de empreendedores sociais.

Dessa formação surgiram, em 1956, cinco ex-alunos que fundaram a empresa Talleres Ulgor, mais tarde conhecida como Fagor Electrodomésticos. O nome “Ulgor” era uma combinação das iniciais dos sobrenomes dos fundadores. Inicialmente dedicada à fabricação de pequenos fogões e aquecedores, a empresa cresceu rapidamente e foi convertida em cooperativa logo nos primeiros anos de operação. O sucesso da Ulgor impulsionou a criação de novas cooperativas industriais nos anos seguintes.

Nasce a Caja Laboral: a cooperativa de crédito

Com o crescimento do número de cooperativas industriais, surgiu a necessidade de uma instituição financeira que atendesse às suas especificidades. Em 1959, foi fundada a Caja Laboral Popular, cooperativa de crédito que se tornaria o coração financeiro da MCC. A Caja Laboral foi criada com uma dupla missão: oferecer serviços financeiros aos cooperados e às cooperativas existentes; e apoiar a criação de novas cooperativas, fornecendo capital, consultoria técnica e acompanhamento estratégico.

Desde sua origem, a Caja Laboral exerceu um papel de fomento e estruturação sistêmica. Por meio dela, centenas de novas cooperativas foram viabilizadas, incluindo grandes nomes como Fagor Electrónica, Danobat e Ederlan. A própria lógica de expansão das cooperativas partia da premissa de que, ao invés de terceirizar serviços ou adquirir fornecedores, seria melhor fundar novas cooperativas para suprir as necessidades internas, gerando emprego, riqueza local e densidade organizacional. Essa cultura deu origem à chamada intercooperação produtiva.

Lagun Aro: previdência social cooperativa

Ainda em 1959, foi criada a Lagun Aro, cooperativa de seguros e previdência, para prover segurança aos cooperados. Ela passou a administrar os fundos de pensão, seguros de saúde e mecanismos de compensação solidária, fundamentais para a estabilidade do modelo de trabalho cooperativo. Até os dias atuais, a Lagun Aro segue sendo um dos principais pilares de sustentabilidade do grupo, com bilhões de euros em reservas técnicas.

Educação e consumo

Nos anos seguintes foram criadas cooperativas educacionais, de consumo e de pesquisa. Entre os destaques: Alecop (1966), cooperativa escolar voltada à formação técnica e à vivência do modelo de autogestão; Eroski (1969), rede de consumo que se transformou em uma das maiores varejistas da Espanha; e Ikerlan (1974), primeiro centro de pesquisa aplicada da MCC, voltado à inovação tecnológica. Essa fase foi marcada por forte crescimento interno, consolidação institucional, amadurecimento da governança cooperativa e difusão do modelo para outros setores.

Nasce a MCC, a Mondragón Corporación Cooperativa

Até os anos 1980, a expansão das cooperativas de Mondragón ocorria de forma orgânica, liderada pela atuação descentralizada da Caja Laboral, que acumulava a função de banco, fomentadora e articuladora. No entanto, o crescimento do número de cooperativas e a complexidade de suas relações exigiram maior articulação e coordenação estratégica.

Foi nesse contexto que, em 1991, criou-se formalmente a Mondragón Corporación Cooperativa (MCC), como uma estrutura de 2º e 3º níveis, com a finalidade de fortalecer a integração entre as cooperativas, organizar a gestão de fundos comuns, promover sinergias setoriais, representar institucionalmente o grupo e planejar estrategicamente sua expansão.

O modelo passou a organizar-se em quatro áreas principais: Indústria, Finanças (Laboral Kutxa, Lagun Aro), Distribuição (Eroski) e Conhecimento e Educação (Mondragón Unibertsitatea, Otalora e centros de pesquisa). Essa reorganização consolidou o conceito de intercooperação setorial e funcional, garantindo equilíbrio entre autonomia de cada cooperativa e coesão do grupo.

Intercooperação e solidariedade estrutural em Mondragón

O pilar da intercooperação é um dos grandes diferenciais do modelo Mondragón. Ele se expressa em quatro eixos principais:

1. Compartilhamento de fundos

Todas as cooperativas associadas à MCC devem destinar uma parcela das suas sobras a fundos comuns, conforme as seguintes regras:

  • 10% para o Fundo de Investimentos (expansão e inovação);
  • 2% para o Fundo de Educação (promoção cooperativa e capacitação);
  • 2% para o Fundo de Solidariedade (apoio a cooperativas em dificuldade, podendo cobrir até 50% das perdas anuais);
  • Valores adicionais para o FATES, fundo de reserva e rateio entre os cooperados.

2. Mobilidade de trabalhadores

Quando uma cooperativa apresenta excedente de pessoal, esses trabalhadores podem ser temporariamente transferidos para outras cooperativas do grupo. Quando necessário, o grupo também promove:

  • Redução de jornada com manutenção de salário;
  • Complementação de renda por meio do Lagun Aro (80% das horas não trabalhadas podem ser compensadas).

3. Governança democrática

As cooperativas funcionam sob o princípio do “um sócio, um voto”. Os conselhos de administração são compostos por sócios-trabalhadores eleitos, podendo também incluir:

  • Sócios colaboradores (professores, consultores, técnicos);
  • Sócios escolares (no caso de cooperativas educacionais);
  • Sócios beneficiários (como os pais de alunos);
  • Sócios consumidores (no caso da Eroski).

A participação efetiva nas decisões é incentivada por sistemas de representação e restrições à ausência nas assembleias, reforçando o compromisso com a autogestão.

Capital social, ingresso e regras de remuneração

Para se tornar sócio em uma cooperativa da MCC, o trabalhador deve cumprir um período de experiência de até um ano, ser aprovado pela assembleia da cooperativa e aportar capital social equivalente a um salário anual do menor posto da cooperativa (cerca de €14.000).

Caso o trabalhador esteja em situação financeira vulnerável, o capital pode ser financiado pela Laboral Kutxa, com juros subsidiados. As regras de remuneração interna são orientadas pela solidariedade:

  • O salário máximo de um sócio não pode ultrapassar 6 vezes o menor salário da mesma cooperativa;
  • Trabalhadores com remuneração acima disso não podem ser sócios, mantendo-se como contratados externos.

Distribuição de resultados e perdas

A distribuição de sobras segue proporcionalmente ao salário e à participação dos sócios. Em caso de prejuízo, aplica-se o seguinte modelo:

  • 50% do prejuízo é coberto pelo fundo de reserva;
  • 25% são deduzidos do capital social individual dos sócios;
  • 25% devem ser pagos diretamente pelos trabalhadores, em dinheiro.

Esse modelo garante responsabilidade compartilhada e fortalece a cultura de compromisso coletivo. Um exemplo foi o prejuízo de €4,7 milhões da Fagor em 2009, em que os próprios cooperados absorveram parte da perda após uso dos fundos internos.

Desafios contemporâneos e evolução recente

Nas últimas duas décadas, a MCC enfrentou diversos desafios que testaram a solidez do seu modelo. A crise financeira global de 2008, a recessão espanhola e a falência de uma das suas principais cooperativas industriais (Fagor Electrodomésticos) colocaram em xeque a viabilidade de alguns mecanismos históricos e exigiram respostas inovadoras.

A falência da Fagor

Fundada em 1956 e por muitos anos o símbolo da MCC, a Fagor Electrodomésticos chegou a empregar mais de 5.600 pessoas e ser uma das principais marcas de eletrodomésticos da Europa. No entanto, sua estratégia de expansão internacional agressiva, a perda de competitividade frente a gigantes asiáticos e a crise de consumo interno levaram a empresa a um colapso financeiro em 2013.

A cooperativa declarou falência com dívidas de mais de €850 milhões. O episódio foi traumático: 1.800 trabalhadores foram demitidos e as fábricas foram adquiridas por empresas externas (a Cata comprou parte dos ativos e a CNA Group assumiu a marca). Embora parte dos empregos tenha sido preservada sob novo controle, a cooperativa como tal deixou de existir.

A MCC foi criticada por não absorver a Fagor integralmente no seu fundo de solidariedade, o que gerou debates internos sobre os limites da intercooperação. A decisão de não salvá-la integralmente baseou-se em três fatores: o volume excessivo da dívida, a ausência de viabilidade econômica comprovada e o risco sistêmico para todo o grupo.

Resiliência e reorganização

Apesar do abalo, o grupo demonstrou capacidade de regeneração. Muitas das antigas unidades da Fagor foram reocupadas por outras cooperativas (como a Copreci e a Fagor Industrial), que absorveram parte dos trabalhadores. Além disso, a crise levou a uma revisão dos critérios de governança e risco:

  • Criação de mecanismos internos de avaliação de viabilidade das cooperativas;
  • Revisão das regras de aporte aos fundos comuns;
  • Maior protagonismo da cúpula da MCC nas decisões estratégicas das cooperativas-chave;
  • Estímulo à diversificação da base econômica (com destaque para tecnologia, educação e saúde).

Transformações recentes e atuação atual

Nos últimos 10 anos, o grupo passou por uma importante reestruturação, com foco na sustentabilidade, na digitalização e na internacionalização responsável. Algumas cooperativas foram fundidas, outras encerradas, e novas áreas estratégicas ganharam destaque, como:

  • Centros de pesquisa: IDEKO, Lortek, Ikerlan, Tekniker e outros passaram a liderar projetos de inovação tecnológica em nível europeu;
  • Mondragón Unibertsitatea: Expansão de cursos voltados à engenharia, robótica, inteligência artificial e economia solidária;
  • Indústria 4.0: Cooperativas como Fagor Automation e Danobat investem em automação e exportações de alta tecnologia;
  • Serviços de saúde: Crescimento da cooperativa Osatzen e parcerias com hospitais locais;
  • Finanças: A Laboral Kutxa se consolidou como um dos principais bancos cooperativos da Espanha, com ativos superiores a €28 bilhões e forte atuação em crédito pessoal, empresarial e habitação.

Perspectivas para o futuro

Atualmente, a Mondragón conta com cerca de 95 cooperativas integradas, distribuídas em quatro grandes áreas (Indústria, Distribuição, Finanças, Educação), com mais de 80.000 trabalhadores (sendo 56.000 sócios) e presença em 150 países. O faturamento consolidado gira em torno de €11 bilhões.

O grupo mantém sua sede em Arrasate-Mondragón, com forte presença na região basca, mas com expansão para outras partes da Espanha e do mundo. As decisões continuam sendo tomadas de forma participativa, e a lógica do “capital a serviço do trabalho” permanece vigente.

Entre os principais desafios do futuro estão:

  • A sucessão de lideranças cooperativas com formação humanista e técnica;
  • A retenção de talentos jovens diante da competitividade global;
  • A adaptação à inteligência artificial e ao trabalho híbrido, sem romper com a autogestão;
  • A preservação da identidade cooperativa em meio à pressão dos mercados.

Ainda assim, o modelo Mondragón continua sendo uma das experiências mais inspiradoras do cooperativismo mundial, demonstrando que é possível combinar democracia econômica, inclusão social, eficiência produtiva e inovação tecnológica sob os princípios da solidariedade e da autogestão.


Elaborado pelo Portal do Cooperativismo Financeiro

9 Comentários

  1. Se cooperativismo fosse a saída, os EUA CAPITALISTA seria o último país do mundo em crescimento.

    O ser humano é capitalista, esta na essência.

  2. Maravilhoso,bem fundamentado.
    Os países deveriam seguir esse exemplo,com educação,trabalho honesto e inovação o mundo se tornaria bem melhor.
    Parabéns,e que assim permaneçam,crescendo inovando e criando.

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