Padre Theodor Amstad (1851–1938) foi um sacerdote jesuíta suíço que se estabeleceu no Rio Grande do Sul a partir de 1885. Antes de chegar ao Brasil, sua trajetória pessoal foi marcada por uma infância em família católica proeminente, educação religiosa de excelência e um contexto histórico conturbado que o levou a ser ordenado sacerdote na Inglaterra, longe de sua terra natal.
A seguir, detalhamos sua infância, formação, motivações para a vida sacerdotal, os fatores que o levaram à Inglaterra para a ordenação e o contexto histórico-religioso que influenciou essas decisões.
A infância do Padre Theodor Amstad (1851–1864)
Theodor Amstad nasceu em 9 de novembro de 1851 em Beckenried, no cantão de Nidwalden, Suíça. Sua família Christen-Amstad possuía posição de destaque na região: o avô materno, Aloísio Christen, era um médico muito renomado e um dos mais procurados do cantão, tanto por seus serviços profissionais quanto pelos produtos que comercializava. Ele era proprietário da drogaria cantonal, responsável por abastecer farmácias e médicos locais com remédios e insumos, e detinha duas propriedades rurais, entre outros bens. Esse patrimônio refletia o prestígio social da família no semicantão de Nidwalden e garantia estabilidade econômica.
O pai de Theodor, José Maria Amstad, herdou o espírito empreendedor e o senso de liderança comunitária. Os relatos destacam sua capacidade de se reinventar profissionalmente. Ele serviu por mais de trinta anos como alferes (uma patente militar honorária equivalente a segundo-tenente) do governo cantonal. Ainda jovem, enfrentou as dificuldades econômicas que assolavam a Suíça nas primeiras décadas do século XIX, percorrendo regiões da Itália em busca de sustento. Na Veneza, José Maria trabalhou num armazém, experiência que o fez dominar a língua italiana e compreender o comércio internacional. Anos depois, já casado com Regina Christen (mãe de Theodor), esse aprendizado se mostrou valioso: de volta à Suíça, o casal abriu uma loja de “secos e molhados” em Beckenried.
O negócio da família Amstad iniciou com a comercialização de queijos e vinhos suíços, produtos típicos da região alpina e de grande demanda entre os habitantes locais. Graças à reputação e ao aumento do fluxo de clientes de povoados vizinhos, a loja expandiu seu catálogo para incluir açúcar, café, arroz, figos, salame italiano e outros mantimentos importados. A qualidade dos produtos era alta – o queijo marcado com a sigla “J.M.A.” (iniciais de José Maria Amstad) tornou-se famoso e passou a ser exportado para a América do Norte e para o Brasil, tamanho o êxito do empreendimento. A família chegou a manter duas filiais na Itália, aprofundando seus laços comerciais internacionais.
Notavelmente, José Maria e Regina administravam a empresa praticamente sozinhos, contando apenas com poucos empregados auxiliares. O casal dividia as responsabilidades conforme seus talentos linguísticos: Regina Christen-Amstad, fluente em alemão e francês, cuidava da correspondência com fornecedores e clientes nessas línguas, enquanto José Maria redigia cartas comerciais em italiano e fazia frequentes viagens para negociar e promover os negócios na Itália e em outras regiões. Apesar das múltiplas obrigações profissionais, José Maria não descuidava de seu papel comunitário: ele foi membro ativo da Associação de São Pio (uma associação católica suíça fundada em 1856) e acumulava funções públicas no cantão, demonstrando forte engajamento social alinhado à fé.
A mãe, Regina (Christen) Amstad, também deixou marca indelével na formação de Theodor. Regina teve doze filhos, embora infelizmente cinco deles tenham falecido ainda crianças. Com as viagens frequentes do marido a negócios, cabia a ela não apenas zelar pelas crianças, mas também assumir a gestão da loja familiar na ausência dele. Ela o fazia com desenvoltura, revelando talento administrativo e firmeza, ao mesmo tempo em que se dedicava à comunidade local – Regina era conhecida por ajudar todos os necessitados da região, engajando-se em obras de caridade e apoio aos vizinhos. Assim, Theodor cresceu observando em sua mãe um exemplo de força, altruísmo e liderança feminina, igualmente fundamentado em valores cristãos.
Em síntese, Theodor Amstad nasceu e cresceu num lar sólido, organizado nos moldes da Igreja Católica, onde a vocação religiosa e a fé cristã eram virtudes familiares exaltadas. A família Christen-Amstad possuía bens, negócios prósperos e prezava pelos estudos e pela moralidade cristã em seu cotidiano. Essas vivências – o ambiente devoto, a disciplina no trabalho e a valorização do conhecimento – influenciaram profundamente a visão de mundo de Amstad e seriam determinantes em sua atuação futura no Brasil. O próprio Theodor, em suas memórias, orgulhava-se de suas raízes: ele se identificava como descendente do lendário herói suíço Guilherme Tell, símbolo da independência helvética, relacionando essa herança com o valor do trabalho árduo e a superação de desafios que presenciou na história de sua família.
Tamanha era a responsabilidade nos ombros do jovem Theodor que, aos 13 anos de idade, já auxiliava ativamente a mãe na administração da loja durante as ausências do pai. E quando José Maria faleceu, o então adolescente de 15 anos precisou assumir formalmente os negócios da família. Essa experiência precoce de trabalho e liderança – tocando uma empresa familiar diversificada e lidando com adultos mais velhos – moldou nele um forte senso de organização, responsabilidade e autonomia. Mais tarde, ao chegar ao Rio Grande do Sul, Amstad aplicaria essas habilidades em prol das comunidades locais, mostrando-se apto a gerir associações, cooperativas e iniciativas coletivas com a mesma competência com que aprendera a gerir a casa comercial de seus pais.
Theodor Amstad e sua vocação religiosa (1864–1879)
Apesar do cotidiano movimentado pelos negócios, a educação formal e religiosa de Theodor nunca foi negligenciada pela família. Ele frequentou a escola primária local em Beckenried, que era dirigida por freiras das Irmãs Escolares de Jungenbohl, recebendo assim os ensinamentos básicos dentro de um ambiente católico estruturado. Inteligente e aplicado, Theodor demonstrava potencial acadêmico. Quando completou 12 anos de idade, sua mãe decidiu enviá-lo para um conceituado colégio no exterior, a fim de que ele prosseguisse os estudos em nível secundário. Assim, em 1864, mãe e filho viajaram para Feldkirch, na Áustria, onde Theodor foi matriculado no renomado colégio jesuíta Stella Matutina.
O Stella Matutina, situado na região do Vorarlberg, era um ginásio (colégio) de excelência mantido pela Companhia de Jesus, famoso por sua rigorosa formação intelectual e moral. Theodor Amstad permaneceu seis anos nesse internato jesuíta, de 1864 até 1870. Ali, recebeu uma educação sólida baseada na pedagogia cristã, com ênfase em línguas clássicas, ciências, filosofia e uma intensa vida espiritual. Além do currículo regular, a disciplina da vida colegial e os exercícios religiosos diários moldaram ainda mais seu caráter. Em suas memórias, Amstad recorda que exerceu uma função de liderança no colégio: foi nomeado questor (espécie de encarregado de cantina e almoxarifado) da segunda divisão do pensionato. Essa posição, de confiança e perfil comercial, implicava gerenciar a venda de pequenos artigos escolares e gêneros alimentícios aos colegas – algo que ele fazia com destreza graças ao “tino comercial” já desenvolvido nos negócios do pai. Tal experiência reforçou sua vocação de serviço e sua capacidade de administrar recursos, até mesmo em ambiente estudantil.
Concluído o ensino secundário em 1870, aos 18 anos, Theodor sentia-se chamado à vida religiosa. A influência positiva dos jesuítas em sua educação, somada à religiosidade de sua família, o inspiraram a ingressar na mesma ordem. Assim, em 3 de outubro de 1870, ele deu um passo decisivo: ingressou no noviciado da Companhia de Jesus em Gorheim, nos arredores de Sigmaringen, sul da Alemanha. Ali começou oficialmente sua formação como jesuíta, dedicando-se a dois anos de estudo espiritual, disciplina monástica e votos iniciais de pobreza, castidade e obediência. Theodor não estava sozinho nessa jornada – dois grandes amigos de juventude, Gustav Locher e Viktor Scheppach, também ingressaram com ele no noviciado. Os três compartilharam uma espécie de “ritual” bem-humorado de despedida da vida secular: na véspera de se recolherem definitivamente em Gorheim, fizeram uma última visita à cidade de Sigmaringen e comemoraram com uma garrafa de champanhe, brindando alegremente à escolha do caminho religioso que haviam feito. Essa anedota, narrada pelo próprio Amstad anos depois, mostra o entusiasmo e a convicção com que abraçaram a vocação, mesmo cientes das renúncias que a vida religiosa exigiria.
Contudo, a trajetória de formação de Theodor Amstad seria afetada por eventos externos. Pouco após seu ingresso no noviciado, eclodiu no recém-formado Império Alemão o Kulturkampf – a “luta cultural” conduzida pelo chanceler Otto von Bismarck contra a influência da Igreja Católica. Uma das primeiras medidas do Kulturkampf foi justamente banir a Companhia de Jesus do território alemão em 1872, fechando casas religiosas e expulsando jesuítas e seminaristas. Essa política anticlerical não se restringiu à Alemanha: na Suíça, sua terra natal, a Constituição de 1874 também proibiu a atuação de ordens religiosas, incluindo os jesuítas, em solo suíço. De repente, jovens como Amstad viram-se forçados a continuar sua formação sacerdotal no exílio, longe de casa, pois nem Alemanha nem Suíça lhes permitiam estudar ou ser ordenados.
Diante dessa situação, a Companhia de Jesus realocou seus estudantes para países mais tolerantes. Theodor Amstad foi enviado para completar os estudos fora da região germânica. Em 1872, ele iniciou o curso de Humanidades em Wynandsrade, na Holanda. Wynandsrade abrigava um colégio jesuíta que acolheu muitos exilados do Kulturkampf. Durante esse período, Amstad não só prosseguiu sua formação acadêmica (aprofundando estudos literários e filosóficos) como também desenvolveu habilidades pessoais curiosas. Ele relata que na Holanda aprendeu cartografia artesanal, entretendo-se em confeccionar mapas geográficos, e praticou intensivamente oratória para vencer sua timidez natural ao falar em público.
Após cerca de três anos de estudos humanísticos e filosóficos, Amstad partiu para a etapa seguinte prevista na formação jesuítica: o chamado magistério (ou regência). Como parte do treinamento, muitos jovens jesuítas lecionavam em colégios para ganhar experiência prática antes de prosseguir à Teologia. Assim, entre 1877 e 1878, Theodor voltou temporariamente a Feldkirch (Áustria) para atuar como professor no colégio Stella Matutina, o mesmo onde havia estudado. Ele ensinou provavelmente disciplinas básicas aos alunos mais jovens. Porém, esse ano como mestre-escola revelou-lhe que o magistério tradicional não era sua vocação principal: em uma autoavaliação sincera, Amstad reconheceu que “não prestava para mestre-escola”, pois embora os alunos o aprovassem, ele próprio sentia dificuldade em manter a disciplina rígida exigida em sala de aula. Compreendendo seus talentos, seus superiores não mais o designaram ao ensino regular – dali em diante, seu trabalho pedagógico restringir-se-ia à catequese e orientação espiritual.
Encerrada a breve experiência docente, Amstad retomou sua condição de estudante e ajudante. De 1879 a 1881, permaneceu novamente em Wynandsrade, Holanda, servindo como escriturário e auxiliar de um padre jesuíta escritor, o Pe. Schleiniger. Nessa função, provavelmente ajudou na pesquisa e redação de textos religiosos ou administrativos, o que lhe permitiu aprofundar conhecimentos teológicos preliminares e exercitar a escrita. Foi um período de relativa calmaria e estudo discreto, preparando-o para o estágio final de sua formação: o curso de Teologia, que ele realizaria em outro país.
A formação de Amstad na Inglaterra (1881–1884)
Como visto, restrições políticas impediam que Theodor Amstad cursasse Teologia e se ordenasse sacerdote em territórios de língua alemã ou mesmo na Suíça. Por isso, a Companhia de Jesus decidiu enviá-lo para um local seguro e acolhedor aos católicos. No verão de 1881, Amstad foi transferido para Ditton Hall, uma instituição jesuíta localizada em Lancashire, nos arredores de Liverpool, Inglaterra. Ditton Hall funcionava à época como um seminário maior para os jesuítas exilados: ali estudantes de diversas nacionalidades (alemães, suíços, austríacos etc.) podiam concluir os quatro anos finais de Teologia sob proteção das leis britânicas, longe das perseguições do continente.
A Inglaterra vitoriana proporcionou a Amstad um cenário bem diferente do que ele conhecera até então. Saído de vilas rurais tranquilas na Holanda e Áustria, ele se deparou com o ambiente industrial efervescente de Liverpool, um dos polos da Revolução Industrial britânica. Esse contraste – do silêncio campestre para o movimento fabril – foi marcante, mas também ampliou seus horizontes. Durante os três anos em que permaneceu em Ditton Hall (1881–1884), Amstad concentrou-se nos estudos teológicos intensivos, na vida de oração e nos preparativos imediatos para o sacerdócio. A rotina no seminário inglês incluía aulas aprofundadas de dogmática, Sagradas Escrituras, moral, direito canônico e pastoral, todas ministradas em língua latina (a língua franca do clero daquela época). O convívio com colegas de diferentes países no mesmo alojamento lhe deu um caráter cosmopolita, ainda incomum para muitos sacerdotes de então.
Foi em Ditton Hall que se consumou o grande objetivo de sua jornada religiosa: Theodor Amstad recebeu a ordenação sacerdotal em 8 de setembro de 1883, aos 31 anos de idade. A cerimônia ocorreu na capela do próprio seminário, provavelmente presidida por um bispo católico local, e contou apenas com a presença dos companheiros jesuítas e alguns clérigos – dadas as circunstâncias de exílio, não havia familiares ou amigos de fora presentes. No dia seguinte, 9 de setembro de 1883, ele celebrou sua primeira missa, descrevendo mais tarde que o fez “num silêncio quase total”, em humildade e ação de graças. Com a ordenação, Amstad concluía com êxito a fase formativa que se estendera por 13 anos desde o noviciado.
Por que justamente a Inglaterra serviu de palco para sua ordenação? Em parte, pela conjuntura histórica: a perseguição religiosa na Europa Central (Kulturkampf e leis anticlericais suíças) fez da Inglaterra um refúgio providencial para congregações como a dos jesuítas. Diferentemente da Alemanha de Bismarck, o Reino Unido do final do século XIX oferecia liberdade relativa aos católicos. Após séculos de restrições, a Igreja Católica gozava de tolerância na Inglaterra desde a Emancipação Católica de 1829, e ordens religiosas puderam restabelecer seminários ali. No caso de Amstad e seus colegas, Ditton Hall era um local estratégico da Província Jesuítica Britânica para acolher estudantes estrangeiros expulsos de seus países. Assim, o principal fator que o levou à Inglaterra foi a necessidade de concluir seus estudos e ser ordenado em solo neutro, livre das proibições vigentes em territórios germanófonos.
Entretanto, essa temporada britânica não significou apenas um abrigo religioso; ela também influenciou Amstad em termos de ideias sociais e apostólicas. A Inglaterra dos anos 1880 vivia um florescente movimento de cooperativismo e catolicismo social. Desde meados do século, iniciativas de cooperativas de consumo vinham ganhando força entre cristãos ingleses – inspiradas pelos Pioneiros de Rochdale (1844) e lideradas, no âmbito católico, por personalidades como Cardeal Manning e grupos de leigos socialmente engajados. É bem possível que, durante seus anos de teologia, Amstad tenha tomado ciência dessas experiências pioneiras de organização econômica solidária, principalmente considerando que por volta de 1885 já existiam cerca de 1.000 cooperativas de consumo naquela região. Sua própria missão futura no Brasil, onde implantaria caixas rurais cooperativas e associações de agricultores, foi certamente inspirada por modelos europeus de cooperativismo que ele conhecera em sua formação. Nesse sentido, a passagem pela Inglaterra ampliou sua visão de como a Igreja poderia atuar não só na pregação, mas também na promoção do bem-estar material e da união comunitária dos fiéis.
Após a ordenação, Amstad permaneceu mais cerca de um ano em Ditton Hall para concluir a última etapa de formação jesuítica: a “Terceira Provação”, uma espécie de segundo noviciado em que o jovem padre passava por retiros espirituais e provas finais de aptidão antes de partir em missão definitiva. Com tudo concluído, chegou a hora de definir onde ele exerceria seu ministério sacerdotal.
A vinda do Padre Theodor Amstad para o Brasil (1885)
Formado e ordenado, Padre Theodor Amstad estava pronto para sua primeira missão. Na segunda metade do século XIX, a Igreja Católica – fortemente influenciada pelo movimento ultramontano, de obediência ao Papa – enviava numerosos missionários para regiões consideradas carentes de clero. O Brasil, e em particular o sul do Brasil, encaixava-se nesse perfil: com a chegada constante de imigrantes europeus desde 1824 (muitos deles católicos alemães, suíços e austríacos), havia grande demanda por sacerdotes que falassem alemão e entendessem a cultura dos colonos para atendê-los pastoralmente.
Como jesuíta pertencente à Província Germânica, Amstad seguiu o fluxo normal de designações. Inicialmente, pensou-se em enviá-lo para a missão jesuítica na Índia, outra frente distante de evangelização. Contudo, graças à intervenção do Pe. Augustin Oswald, seu colega de ordem, conseguiu-se alterar seu destino para o Brasil. Não sabemos os motivos exatos desta preferência, mas é provável que a proficiência de Amstad em alemão e sua familiaridade com costumes germânicos o tornassem ideal para atuar junto aos colonos teuto-suíços no Rio Grande do Sul, enquanto outros jesuítas de sua turma foram para a Ásia.
Assim, em meados de 1885, Theodor Amstad e mais quatro jovens sacerdotes formaram a última turma de missionários jesuítas enviada ao sul do Brasil no século XIX. Seu grupo zarpou do porto de Liverpool, atravessando o Oceano Atlântico. Após uma escala no Rio de Janeiro, eles chegaram a Porto Alegre aproximadamente cinco semanas depois. Amstad comentou, com certo humor resignado, que a viagem foi demasiadamente lenta devido à precária conexão marítima entre a capital do Império (Rio) e a capital gaúcha naquela época. Em todo caso, no final de 1885 ele pisava em solo rio-grandense, aos 34 anos, pronto para iniciar sua obra missionária.
O contexto religioso e jurídico que levou Amstad ao Rio Grande do Sul explica-se pela organização missionária da Companhia de Jesus. Desde 1869, a Província da Alemanha Superior (Alta Alemanha) assumira a responsabilidade pela “Missão Germânica” no sul do Brasil. Na prática, o estado do Rio Grande do Sul era considerado “terra de missão” dos jesuítas europeus, pois a Igreja local ainda carecia de estrutura autônoma e clero suficiente. Até que a situação se consolidasse (o que só ocorreria no século XX, com formação de padres locais), o acordo jurídico entre Vaticano e jesuítas determinava que sacerdotes vindos da Alemanha e Suíça pastoreassem as colônias alemãs brasileiras. Amstad chegou exatamente nesse contexto: enviado da Missio Germanica, para ajudar a construir e fortalecer a Igreja entre os imigrantes.
Ele próprio registrou que sua motivação fundamental ao vir ao Brasil foi ser “missionário”. Para Amstad, formado num ambiente de intensa espiritualidade, nada mais natural do que “salvar almas” nas regiões distantes onde a Igreja mais precisava. A palavra “missionário”, naquele tempo, denotava o pregador incumbido de evangelizar povos ou áreas onde a fé estava pouco difundida. No caso do Rio Grande do Sul, tratava-se de acolher e doutrinar comunidades já civilizadas, porém sem estruturas eclesiásticas consolidadas – especialmente os colonos de língua alemã dispersos pelo interior gaúcho. Amstad abraçou essa missão com entusiasmo. Pouco após chegar, dedicou-se ao aprendizado intensivo da língua portuguesa em Porto Alegre e, em dezembro de 1885, foi designado vigário coadjutor na paróquia de São Sebastião do Caí, iniciando ali um apostolado frutuoso que se estenderia por décadas.
Padre Theodor Amstad antes de chegar ao Brasil
O foco deste artigo é apresentar aos leitores quem foi o Padre Theodor Amstad antes de chegar ao Brasil, com sua origem, infância, formação e motivações.
A trajetória pessoal de Padre Theodor Amstad até 1885 demonstra a estreita relação entre suas raízes familiares, sua formação religiosa e os eventos históricos de sua época. Criado numa família católica influente e trabalhadora na Suíça, ele absorveu desde cedo valores de fé, educação e responsabilidade que o predisponham à vida sacerdotal. A prosperidade e liderança comunitária de seus pais e avós não apenas forneceram os meios para uma boa educação, mas também serviram de exemplo de serviço ao próximo e organização – qualidades indispensáveis a um futuro missionário.
Amstad abraçou a vocação jesuíta movido tanto por convicção pessoal quanto pelas inspirações familiares. Entretanto, sua jornada formativa foi desviada do caminho tradicional pelas turbulências político-religiosas do século XIX. A perseguição do Kulturkampf e leis similares na Suíça o forçaram a peregrinar por vários países (Áustria, Holanda e depois Inglaterra) para completar sua formação. Esse exílio educacional, longe de ser um empecilho, tornou-se parte fundamental de sua história: foi por causa dessas circunstâncias que ele foi parar na Inglaterra para ser ordenado sacerdote. Em solo inglês, encontrou a liberdade necessária para finalizar seus estudos teológicos e receber o sacramento da ordem em 1883, algo que lhe seria vedado em sua terra natal naquele momento. Além disso, a vivência na Inglaterra lhe proporcionou contato com ideias de cooperativismo e ação social cristã emergentes na era vitoriana, agregando uma dimensão prática de promoção humana à sua vocação espiritual.
Finalmente, ao terminar os estudos, Amstad alinhou-se ao impulso missionário internacional da Igreja Católica ultramontana, que via em regiões distantes um campo fértil para a evangelização. A designação para o Brasil – mais especificamente para o Rio Grande do Sul – fez pleno sentido dado seu perfil: um padre poliglota, filho de agricultores-comerciantes, acostumado a transitar entre culturas, e profundamente empenhado em servir comunidades rurais. Assim, em 1885 ele aportou no Brasil não por acaso, mas sim como culminância lógica de sua trajetória: um homem moldado na Europa, mas destinado a florescer em terras gaúchas, unindo a fé religiosa, a organização social e os valores familiares aprendidos para guiar e elevar espiritualmente os colonos imigrantes.
Desse modo, entender a história de Theodor Amstad antes de 1885 é compreender como uma infância privilegiada em valores, uma formação cosmopolita forçada pelo contexto histórico e um ideal missionário convergiram para levá-lo até a Inglaterra para sua ordenação, e dali ao Brasil. Cada etapa, da infância no cantão suíço à missa inaugural em solo inglês, contribuiu para fazer dele o “pequeno padre, pai dos colonos” – figura carismática que deixou um legado duradouro no cooperativismo e na Igreja do Rio Grande do Sul nas décadas seguintes.
Leia sobre uma das grandes obras do Padre Theodor Amstad, com a fundação das Cooperativas de Crédito no Brasil e a história do cooperativismo no Brasil
Elaborado pelo Portal do Cooperativismo Financeiro

