”Não dizer como juro vai a 2% é perigoso”, diz consutor do Itaú

Economista aponta que, para alcançar essa meta, Dilma Rousseff teria de reduzir os gastos públicos pela metade e questiona se haveria disposição para fazer isso

Cético quanto à meta de 2% para os juros reais brasileiros até 2014, defendida pela presidente eleita, Dilma Rousseff, como plano estratégico de seu governo, o economista Edmar Bacha afirma que a redução dos juros exigirá medidas adicionais do governo, como uma meta de inflação de longo prazo. “Eu acho muito perigoso dizer que vai colocar o juro a 2% e não dizer como”, diz o economista, consultor sênior do Itaú BBA.

Um dos formuladores do Plano Cruzado, no governo Sarney, e, posteriormente, do Plano Real, Bacha defende, em entrevista ao Estado, que o governo defina uma meta de inflação de longo prazo. O economista também demonstra preocupação com a posição do governo de “achar que todos os problemas do Brasil podem ser resolvidos com o crescimento”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. propõe redução da dívida líquida do governo de 40% para 20% do PIB. Faria diferença entre os juros reais brasileiros e a média mundial?

Eu coloquei esse valor para ilustrar que tipo de impacto isso teria sobre o diferencial de juros entre o Brasil e a média mundial. Meu ponto sempre é esse (sobre o patamar elevado de juros reais).

Os juros se mantêm elevados por pressão da demanda?

Há uma percepção parcialmente incorreta de que os juros são mais elevados do que na média internacional porque no Brasil, quando temos uma grande pressão de demanda, demanda forte, os juros vão para cima; e quando a demanda está fraca, os juros ficam mais baixos. Mas somente isso não é suficiente para explicar essa discrepância.

Em seu estudo, o sr. calcula que, no longo prazo no Brasil, o aumento de 1 ponto porcentual na dívida como proporção no PIB resulta em um aumento de 0,19 ponto porcentual na diferença de juros brasileiros e a média internacional.

O impacto da dívida sobre os juros no Brasil seria quatro vezes maior do que é nos Estados Unidos. Mas os Estados Unidos não têm passado de hiperinflação nem de calote da dívida. A nossa história de confiabilidade monetária ainda é muito curta. O ponto que eu faço é justamente esse. Dado o nosso passado – e o passado condena -, nós não podemos ter uma dívida pública tão elevada. Então, se fala, “todos estão elevando a dívida pública”, mas eu respondo, “estão elevando ocasionalmente”. A última vez que se elevou a dívida pública nos Estados Unidos foi na Segunda Guerra Mundial. Agora, por causa da crise, se aumentou muito.

E o gasto do governo com o pagamento de juros sobre a dívida, que no ano passado foi de 5,4% do PIB?

Eu acho que essa é uma questão um pouco complicada. É fato que os juros sobre a dívida são pesados para o Orçamento. Isso leva ao risco de uma atitude populista por parte do governo (de dizer que não vai pagar). Nós adotamos isso no passado. Nosso amigo do Mercosul, a Argentina, adotou isso recentemente, dar um calote na dívida. Um dos problemas do Partido dos Trabalhadores até 2001 eram declarações sobre isso.

De calote?

Não, não se usava o termo calote. Mas era algo do tipo, realizar uma “análise da dívida“, uma “radiografia da dívida”. Então, como existe um peso muito forte da dívida no Orçamento, existe uma pressão política latente para que o governo faça alguma coisa a respeito. Isso produz um componente de risco para quem está investindo dinheiro no Brasil, investindo dinheiro em títulos públicos. Corre o risco de levar um calote.

Nossa meta inflacionária tem um horizonte de dois anos. O que seria uma meta de inflação no longo prazo no Brasil?

Seria um valor bem razoável, de 3%. Você precisa de um pouquinho de inflação para ajustar preços relativos. Creio que 3% é uma taxa de inflação que corresponde à média mundial dos últimos dez anos.

E o horizonte de longo prazo? Dez anos?

Depende de quanto tempo o governo levaria para chegar aos 20% de dívida no PIB. Aí dependeria de quanto o governo acha que pode fazer. Uma de suas propostas para aprimorar o mercado seria liberar as aplicações financeiras no exterior.

Como isso poderia tornar o mercado mais saudável?

Temos de voltar um pouco no passado. O Brasil foi um dos poucos países no mundo que não dolarizou sua economia. Os países do Leste Europeu, por exemplo, dolarizaram, ou melhor, “eurorizaram”. Quando você tem uma moeda não confiável, naturalmente as pessoas procuram outras opções, outras moedas. A Argentina dolarizou, o Equador, o Panamá. Todos esses países que tiveram uma história convulsionada, como o Brasil, têm o dólar como uma importante característica em suas economias. Na década de 80, (o Brasil teve) a pior moeda do mundo até o Plano Real, apenas perdendo para o Congo e, apesar disso, não dolarizou, os brasileiros continuaram a usar aquelas porcarias daquelas moedas. Por quê? Porque inventamos uma coisa chamada conta remunerada, em que o dinheiro crescia como batatas no campo. Você tinha um cruzeiro de noite, e na hora que amanhecia tinha um cruzeiro e dez centavos em sua conta. Quando estabilizamos (a economia), acabamos com a conta remunerada, mas elevamos os juros para patamares muito altos. Então, a contrapartida da não dolarização foi o juro alto. Eu não estou propondo que se dolarize (a economia); acho a dolarização uma coisa ruim. O que estou propondo é que se dê aos brasileiros a liberdade de escolher a moeda em que eles querem investir. Hoje em dia é muito difícil investir lá fora. O receio (de se liberalizar as aplicações no exterior) sempre foi que, se fizesse isso, todo mundo ia correr para investir lá fora.

Mas esse receio era de outros tempos…

Isso mesmo, eram outros tempos. As pessoas não vão correr lá para fora. Acho que o tempo é favorável para se adotar uma medida que eliminaria um entrave de natureza psicológica para as pessoas que querem diversificar suas aplicações financeiras. “Be my guest” era o que eu, se fosse governo, diria (aos interessados em aplicações no exterior).

E sobre o câmbio, o que o governo brasileiro teria de fazer agora nesse campo, nesse cenário após o anúncio do pacote do Federal Reserve (de comprar mais US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro americano)?

Eu acho que não muda grande coisa, não entendo tanta comoção. As pessoas estão enfatizando muito o aspecto da “guerra cambial”, da “guerra das moedas”, sem mencionar as oportunidades que essa situação internacional cria para um país como o Brasil.

Voltando ao cenário da economia doméstica, o sr. defende uma unificação dos regimes de indexação de preços?

Por exemplo: tirar o aluguel do IGP-M e colocar para ser reajustado pelo IPCA (índice de inflação oficial do governo).

E o IPCA seria o único índice para reajustes?

Exato. Seria o único índice. Esta seria apenas a primeira etapa. Aí, eu conseguiria definir uma meta de 3%. Paulatinamente, eu sairia do IPCA como indexador, e convergiria para a meta anual de 3% (para a inflação no longo prazo). Então, quando chegasse lá na frente, apesar dos preços administrados continuarem a ser contratuais, essa regra (para os preços administrados) seria consistente com o objetivo de longo prazo de política monetária – o que não ocorre atualmente.

Ter uma meta inflacionária de longo prazo daria maior confiança aos investidores em relação ao cenário macroeconômico brasileiro?

Com certeza. Mas não seria assim uma meta para inglês ver. Vamos definir 3% e depois acreditar. Não sem antes ter um pacote inteiro (de medidas). Outro ponto que acho importantíssimo nesse tema é a incorporação do crédito direcionado nos objetivos de política monetária.

O que não está sendo feito agora…

Não. Atualmente, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a Caixa fazem empréstimos de recursos a taxas próprias, que não têm nada a ver com a Selic. É um sistema que está à parte da Selic, que não caminha junto. Isso aumentaria enormemente a potência da política monetária porque um terço do crédito do Brasil vem dos créditos direcionados.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, disse que a meta de 2% para juros reais até 2014 é usada como referência. O sr. acredita que medidas como severos cortes nos gastos públicos poderiam diminuir para 2% os juros reais até 2014?

Um porcentual de 2%… Bom, no meu estudo, eu trabalho com um porcentual em torno de 6% (taxa média anual definida por Bacha para o período de 2000 e 2009). E coloco que, para diminuir para 3%, em um horizonte de longo prazo, seria preciso cortar os gastos públicos pela metade. Ela estaria disposta a fazer isso?

Para reduzir pela metade os gastos, seria necessário, talvez, maior ênfase nas reformas estruturais?

É. O governo tem uma postura, creio, de achar que todos os problemas do Brasil podem ser resolvidos com o crescimento. Nós já vimos essa história, na época da ditadura. Houve problemas, e havia a negação dos problemas. E a ideia de que o Brasil era uma ilha de estabilidade em mundo de confusão. Eu acho muito perigoso, porém, dizer que vai colocar o juro a 2% e não dizer como. Como isso vai ser?

É uma meta excessivamente agressiva, na sua opinião?

Sim. É uma meta agressiva.

Fonte: Estadão

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