Em nossas consultorias identificamos uma orientação “informal” e regional de legisladores sinalizando que as sobras devem ser distribuídas em função unicamente dos saldos médios dos 3 grandes grupos: investimento, depósito a vista e crédito. Ou seja, uma Singular que tivesse um saldo médio em 31/12 de R$ 5 milhões em Depósito a Prazo, R$ 4 milhões na Carteira de Crédito e R$ 1 milhão em Depósito a Vista, teria que distribuir suas sobras dividido-a de forma aritmética por R$ 10 milhões. Assim, 50% iriam para os investidores, 40% para os tomadores e 10% para os que fizeram Depósito a Vista. Vejam que a fatia que cabe ao crédito nas sobras fica engessada pelo saldo médio da dívida e não pelos juros pagos. Parece pouco, mas aqui mora um grande entrave comercial e societário que pune sobremaneira estas Singulares. No segundo momento, que é quando se define a forma de distribuição aos sócios de cada uma das 3 fatias das sobras, a Singular passa a ter novamente autonomia. Mas usualmente segue uma tradição de fazer o rateio do item por saldo médio para investimentos, depósito à vista e juros pagos para o crédito.
Vale ressaltar que esta “informal” normatização regional foi motivo de impugnação de inúmeras atas de assembléias que não seguiram estes “ditames”. Acreditamos que esta “normatização” se deve ao fato de também terem vivenciado algumas distorções antes da LC 130 de 2009, onde alguns arranjos criativos faziam o capital social ser “tratado” como um produto muito bonificado nos rateios das sobras, e o depósito a vista ser considerado uma opção de investimento pelos ganhos nas sobras etc. Diante deste cenário, alegam que esta decisão evitou distorções e manteve a igualdade na sociedade.
Entendemos que estes desvios foram casos pontuais e assim deveriam ser tratados e acompanhados, já que atualmente são raríssimos. Ou seja, foi um excesso de zelo sua pasteurização como uma “normativa” para 100% das singulares regionais. Além do que, esta “trava” na distribuição das sobras é um grave equívoco comercial por ferir primários preceitos de uma sociedade, como aquele que reza que um saudável relacionamento comercial deve sempre primar por um alto grau de certeza do cliente quanto às suas vantagens de se manter fiel a instituição. Não nos esqueçamos que esta medida “disciplinar” também é uma ingerência societária, já que a Singular tem autonomia legal para definir em assembléia a melhor forma de distribuir suas sobras. São eles que conhecem seus sócios e tem autoridade para propor a melhor estratégia para sobreviver neste agressivo mercado. Portanto a manutenção desta “normativa” regional dificulta ainda mais a condução de nosso modelo de negócio, sem qualquer ganho expressivo quanto à supervisão legal.
Diante deste cenário, o artigo trará reflexões para que os executivos das singulares impactadas por esta “normativa” possam argumentar, e por que não, serem convidados pelo órgão regulador regional para discutir sua suavização ou mesmo sua extinção. Além de nossas sugestões, veremos breves reflexões jurídicas feitas pelo Dr. Fábio Siqueira, sócio da AKS Advogados, especialista em cooperativismo de crédito e parceiro desta consultoria.
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1º Contra-ponto: Esquece-se da riqueza do depósito a vista
Nesta “normativa” não há qualquer incentivo para que os clientes (sócios) concentrem seus movimentos cotidianos na sua conta corrente da Singular, já que o saldo global deste grupo será inexpressivo e com um retorno pífio nas sobras. E vale aqui uma ressalva comercial: O não uso efetivo da conta corrente pelos sócios é o pior indicador de eficácia de uma Singular, pois sinaliza que só a usam para aplicar a boas taxas ou tomar créditos com critérios generosos. Portanto, nenhum outro número expressa tão verdadeiramente a opção do cliente por uma instituição financeira como a forma que se utiliza de sua conta corrente.
Cabe aqui uma oportuna reflexão. O que é um saldo médio mensal expressivo em conta corrente para um cliente? Depende. Para um enfermeiro que ganha R$ 2.000,00, R$ 4.000,00 em saldo médio é expressivo, já para um médico que fatura no mês R$ 40.000,00, R$ 4.000,00 pode ser pouco. Ou seja, quanto é muito ou pouco não pode ser norteado pelo saldo médio de um cliente, e sim pelo seu perfil. O mesmo raciocínio se aplica ao saldo médio mensal em conta corrente de uma Singular. Se ela tem potencial para R$ 3.000.000,00 por mês, e só apresenta R$ 600.000,00, tem muito a buscar junto a sua base. Portanto, números brutos de saldo médio em conta corrente não querem dizer nada, se antes não forem observados os parâmetros da individualidade da base de clientes.
Diante da falta de relevância do depósito a vista nas sobras, propomos que festejemos 2.012 como o ano mundial do cooperativismo, mas também o elejamos como o ano em que iniciaremos uma grande cruzada para sermos mais eficaz na gestão da conta corrente como nosso grande serviço. E poderemos sim fazer um grande projeto, já que, a premiação do conta corrente nas sobras é um de nossos grandes diferenciais perante os concorrentes. Assim, passemos em 2.012 a premiar com sapiência e destaque o saldo médio em depósito a vista, já que a conta corrente é indubitavelmente a ponte para a perfeita harmonia entre nossos serviços e a percepção de utilidade pelos nossos clientes. Clientes sim, pois há um elevadíssimo grau de racionalidade em nossas decisões quando buscamos parceiros para nossa vida socioeconômica, e assim sendo, não desejamos ser sócio de uma instituição que não consegue minimamente concorrer com os inúmeros bancos de varejo massificado a nossa disposição. Ser apenas uma boa opção de crédito ou de investimento é pouco e fatal.
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2º Contra-ponto: Bonificação excessiva para tomadores de valores e prazos elevados
Cooperativas com excesso de liquidez tendem a “desovar” seu funding (dinheiro para emprestar) em créditos de longuíssimo prazo e a taxas baixíssimas. Pelo “engessamento” da regulamentação regional acima exposta, estes poucos clientes com elevados créditos pagam juros baixos, mas que tornam-se juros consideráveis diante do vulto de seus créditos. E assim passam a ser muito participativos na distribuição do “bolo” a ser distribuído pelo critério de rateio “juros pagos”. E este elevado ganho de poucos é ainda potencializado, pois neste “bolo” de juros pagos há pouca relevância dos juros pagos pelos créditos de varejo (crédito parcelado e juros de cheque especial), já que esta singular tem dificuldades de trabalhar esta modalidade de crédito.
E algo insano acontece. Estes clientes com altos créditos (e taxas baixas) terão nas sobras benefícios tão elevados que chegam a ter seus créditos a um custo real abaixo do custo da captação da Singular, ou em alguns casos, sobras superiores aos juros pagos no ano. Lembremos ainda que há uma grande chance destes clientes terem baixíssima aderência a Singular já que grandes créditos são tomados por sócios muito bem informados e que cotam muito. Além do que têm garantias reais, há muita oferta de financiamentos e são tomados sem a urgência vista no crédito de consumo (até 24 meses). Portanto, este “sócio” terá forte participação nas sobras sem que sejam observadas coerentes prerrogativas de aderência a Singular, o que sinaliza uma insensatez comercial e societária.
Nesta mesma Singular, sócios que se utilizam das linhas de crédito de consumo, como cheque especial e créditos parcelados, terão baixos juros pagos frente aos clientes com altos volumes tomados. Portanto, participaram apenas de forma discreta do bolo a ser distribuído como juros pagos. Pela experiência de 3 décadas neste mercado, declaramos que são estes clientes de crédito de varejo que têm muito mais aderência a Singular, pois atrelam de forma cotidiana nossas soluções aos serviços da conta corrente. Assim, no quesito rateio pela carteira de crédito, a sugestão mais coerente societariamente e comercialmente é que ele seja feito pelos juros pagos de forma saudável. Contudo, precisamos que antes tenha sido definido livremente em AGO o percentual das sobras que será canalizada para este item, sem “engessamentos” regulatórios. Portanto, longe da “regulamentação” que determina que a parte do “bolo” das sobras será aquela relativa a representatividade do saldo médio devedor dos créditos, junto aos saldos médios de investimento e depósito a vista, fazendo dos três o balizador da distribuição das sobras em 3 grandes grupos.
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3º Contra-ponto: Incoerência na distribuição das sobras por investimento
Se o Depósito a Prazo é a única opção de investimento de uma Singular, fica simples distribuir as sobras pelo investimento, mas o que ocorre quando captamos Fundo de Investimento e Poupança?
Sabemos que captamos poupança direcionando seu funding (dinheiro para emprestar) para alocação no crédito rural. Esta linha realmente é muito interessante para muitas Singulares, já que potencializa o surgimento de inúmeros outros negócios que darão fluidez e viabilidade a esta parceria. Portanto, não é complexo defender a participação nas sobras do saldo médio em poupança aglutinando este montante ao Depósito a Prazo, como sendo o saldo médio total o grupo Investimento.
Mas o que poderíamos orientar quanto ao rateio nas sobras oriundos dos saldos médios em Fundo de Investimento? Vamos por partes. Primeiro devemos ter em mente que nenhum valor captado em Fundo de Investimento se torna fonte de recursos para créditos, já que 100% dele é aplicado em uma empresa DTVM (Distribuidora de Títulos de Valores Imobiliários), podendo ser esta empresa do próprio sistema cooperativo ou não. A DTVM terá que comprar papeis para fazer frente à remuneração projetada para estes investidores. E estes papeis são usualmente DI (depósito interbancários) de bancos concorrentes, que ao nos venderem seus papeis alavancam sua carteira de crédito. Ou seja, retiramos recursos da região onde trabalhamos para fomentar o desenvolvimento de outra região escolhida pelo banco que acaba de receber nosso dinheiro pela venda de seus títulos a nós. Perguntamos: Por que considerar nas sobras o Fundo de Investimento como um produto de captação se em nada alavanca nossa carteira de crédito? Neles, nossa receita fica circunscrita a prestação de serviços por empresas do grupo (ou terceirizadas), e que se resume em um “tarifa” recebida da DTVM como serviços pela taxa de administração ou de performance.
Atenção: Salientamos que Fundos de Investimento não devem ser um produto de captação fomentado no cooperativismo de crédito, haja vista os fatores já acima apontados, que podem ser resumidos pela sua não mutualidade, a qual norteia o cooperativismo, onde sócios com excedentes os vendem para a sociedade para que esta possa suprir carências do restante do quadro social. A manutenção deste produto de captação (e seu incentivo) mina sorrateiramente o cooperativismo de crédito, pois “educa” desnecessariamente os sócios investidores a aprenderem a só quererem aplicar nesta imperfeita solução. Como conseqüência, a singular tem uma elevação gradual e temerosa no custo de seu funding (dinheiro para emprestar).
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4º Contra-ponto: Inclusão do grupo de Serviços no rateio das sobras
Como já alertamos em vários artigos, não é atualmente concebível o ineficaz rateio das sobras sob a alegação de que falta de tecnologia ou por ser este modelo uma praxe, tradição ou costume que vem de anos. Propomos que se inclua o 4º grupo: Serviços, já que são verdadeiros sinalizadores de aderência do cliente as nossas mais dinâmicas e corriqueiras soluções, além do que estas “tarifas” somaram-se às Sobras e devem vir a bonificar neste rateio àqueles sócios que as pagaram. Sim, pois já não se sustenta comercialmente e societariamente distribuir para os 3 grupos tradicionais (investimento, crédito e depósito a vista) os ganhos advindos de: pacotes de serviços, doc´s, ted´s, cobrança de títulos bancários, prêmios de seguros, taxas de administração de consórcios etc.
Importante: Nesta linha de pensamento do que seja Serviços, incluiríamos os ganhos da Singular, originados dos valores pagos pelo cliente como taxas de administração (ou performance) em função de suas posições administradas nos Fundos de Investimento. Ou seja, sugerimos que os Fundos de Investimentos sejam excluídos do grupo de rateio de Investimento, passando-o para o de Serviço.
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Reflexões Finais
Este artigo traz grandes temas que deveriam ser pontos de atenção dos órgãos reguladores, ou seja, tratar exceções como tal e analisar profundamente as especificidades das soluções ofertadas pelas Singulares e as praxes mercadológicas antes do julgamento do mérito.
Precisamos rapidamente recuperar a correta interpretação da regulamentação que norteia o rateio das sobras, estabelecidas na legislação societária das cooperativas [art. 4º, VII da Lei 5.764/71], que diz: “retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado”. Mas antes devemos eliminar a “expansão” ortográfica dada para a palavra “operações” desta regulamentação, que passou a ganhar ares atuais de apenas 3 grandes grupos: Investimentos, Crédito, Depósito a vista (e antigamente Capital Social) os quais seriam distribuídos conforme a conveniência, ora como saldo médio, ora como juros pagos. Mesmo porque, a evolução normativa resultante da criação do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo, prevê expressamente no art. 8º da LC 130/09 que é obrigação da assembléia geral deliberar e estabelecer a fórmula de cálculo a ser aplicada na distribuição de sobras e no rateio de perdas. E para tanto, norteado nas operações de cada associado realizadas ou mantidas durante o exercício.
Mas onde está o grupo de Serviços? Somos eminentemente prestadores de serviços através da intermediação financeira. Tudo que fazemos gera despesa ou receita e impacta nas sobras, portanto, tudo que temos em nossas “prateleiras” deve ser considerado na distribuição dos resultados ou prejuízo. Esqueçamos de uma vez por todas nossas desculpas de anos do porque não elevarmos a eficácia da lógica por detrás das sobras, como: falta de tecnologia, “isto sempre foi assim” etc, pois realmente isto dificulta nossa gestão e crescimento. Claro que o ótimo é inimigo do bom, mas devemos perseguir o ótimo sempre. Como líderes, não podemos ficar inanimados esperando por mais 12 ou 24 meses para alinhar medianamente o rateio das sobras ao ideal comercial e societário. Quanto mais rápido e aprimorado for o rateio das sobras, maiores serão as chances de sucesso do cooperativismo de crédito, pois só nós temos este enorme diferencial e estamos longe de saber gerir e vender as Sobras em sua plenitude comercial.
As discussões dos temas deste artigo não se encerram aqui, mas de forma macro já há muitas reflexões a serem feitas por você leitor junto a seus pares e também pelos órgãos reguladores já que juntos lutamos por um cooperativismo de crédito socialmente e comercialmente, justo e forte.
Ricardo Coelho Consult – Consultoria de Gestão e Capacitação Comercial para o Coop. de Crédito www.ricardocoelhoconsult.com.br
O Ricardo está certo. As sobras são os juros pagos menos as despesas. Logicamente, sobra é juro. Agora, não podemos olhar apenas para aqueles que pagaram os juros. Assim fica muito fácil. Por exemplo: o Carlos pagou juros? Então somente o Carlos que receberá o retorno dos juros. Não se pode esquecer que o dinheiro que Carlos tomou emprestado veio do depósito a prazo, à vista ou da aplicação. O fato de pagar o juro é apenas o processo final da operação. Foi a operação realizada que gerou o juro para que ele pudesse ser pago. Foi a operação de depositar, de aplicar e de investir. Assim, operação realizada é todo serviço que impacta na geração de juro. Juro pago é apenas o produto que foi comprado.
creio que o rateio de sobras deveria ser apenas para quem paga juros e serviços, pois esse sim tem direito a sobras (pagaram pelos juros e serviços, e se sobrou é porque pagaram a mais e portanto é deles as sobras). nos outros itens de distribuição (aplicações, dep. vista, dep. prazo), creio que se for distribuídos para eles (não é sobra, pois não pagaram nada), a Receita com certeza irá querer a parte dela, pois aí, haverá incremento de renda, portanto passível de tributação.