Prece Irlandesa nos ensina a gerir o custo da captação, por Ricardo Coelho

Prece Irlandesa Ricardo CoelhoRecentemente, fui agraciado no saguão do aeroporto por um amigo português com algumas palavras escritas em um guardanapo, momentos antes dele embarcar para Portugal. E eu, muito curioso, tão logo meu amigo embarcou, passei a ler o que tinha escrito naquele pequeno papel. E, para meu deleite, foi isto que li: “Prece Irlandesa – Que os caminhos se abram à sua frente; que o vento esteja sempre a seu favor; que o sol aqueça sua face; e a chuva caia suavemente sobre seus campos; e até que nos vejamos novamente, que o senhor te guarde na palma da mão. Que assim seja.” Fiquei encantado com esse gesto que realmente expressa nossa longa amizade.

Com uma delicadeza ímpar, essa prece nos ensina que as pessoas que são importantes para nós devem receber distinção no tratamento, pois esse estado de proximidade permitiu que gradualmente fosse gerado um elevado grau de confiança e confidencialidade entre as partes, o que torna a afinidade entre nós e essas pessoas um ato saudável de entrega mútua. Também nos ensina a cuidar e apoiar o crescimento pessoal desses nossos caríssimos amigos. E por fim, nos ensina que devemos alocar nossos melhores recursos e tempo, colocando-os à disposição dos relacionamentos que são correspondidos, pois é gratificante fazer o bem para quem o merece.

Diante desta seletividade natural do ser humano, é previsível que fique fora de nosso fraterno e produtivo convívio um grupo enorme de pessoas e empresas. Sendo que essas decisões pela proximidade, ou não, podem ser uma decisão nossa ou delas, ou podem até mesmo ser “impostas” por circunstâncias socioeconômicas.

Você deve estar se perguntando: o que tem a ver essa Prece Irlandesa com a gestão da taxa de captação de minha Singular, e com a nossa necessidade de reduzir nossos custos na compra de recursos diante do crescente excesso de liquidez? O conceito que desejamos repassar é que é esta seletividade no relacionamento sugerida na Prece Irlandesa que deveria nos guiar na gestão de nossas taxas de captação no depósito a prazo. Vamos, então, juntos construir a resposta!

Grandes aprendizados: Não é porque uma massa de clientes usa uma de nossas soluções, que deveríamos considerá-los iguais comercialmente. Acreditamos que algo próximo de 10% dos nossos sócios ativos tem posição em depósito a prazo, sendo urgente analisá-los de forma criteriosa e, para tanto, este artigo se propõe a agrupá-los em três grandes grupos. Vamos a eles:

Primeiro Grupo – Verdadeiros investidores: Está no DNA destes clientes investirem em soluções seguras e rentáveis. São poucos na sua sociedade e são facilmente reconhecidos pelos concorrentes como ótimos doadores de recursos. Estes investidores sabem que dão as cartas no mercado, e que os “bancos” farão de tudo para tê-los como clientes cativos. São pessoas esclarecidas. Sabem dos patamares atuais de remuneração ofertados pelo mercado de primeira linha. Têm noção de riscos e usualmente são conservadores. Fazem contas e calculam cada centavo que irão ganhar em suas aplicações. Reconhecem o ganho extra que sua aplicação obtém ano após ano na AGO. Mantém seus elevados saldos por anos a fio, e sempre fazem periódicos novos aportes, buscando uma ainda maior rentabilidade para estes novos recursos. Estes seletos investidores são refratários a pagar qualquer tipo de tarifa e têm pavor de pagar juros de crédito de consumo, sendo que a maioria deles nunca pagou um centavo sequer desses juros. Contudo, visando não mexer em seu investimento, analisam os custos e as oportunidades, frente à possibilidade de tomar crédito com juros subsidiados de repasse, destinados a investimentos e custeio. Usualmente são pessoas de 45 anos ou mais, “casadas”, com filhos, e que têm e procuram tradição, coerência e exigem ótimo posicionamento por parte da instituição que deseja ser a guardiã de seus recursos. E, apesar de concentrar uma boa parte de suas aplicações em um banco, têm conta sempre em duas ou mais instituições para poder fazer leilões quando desejar, ou até mesmo para aprender ainda mais ao ser assediado por gestores de outros bancos, ou, ainda, para se proteger de um eventual problema de liquidez da instituição. Este grupo de investidores concentra normalmente mais da metade das suas aplicações em uma única instituição, sendo que provavelmente entre estes grandes investidores está a entidade que patrocinou o nascimento da Singular, e outros bons investidores que tradicionalmente fazem negócios com esta mesma entidade patrocinadora. Isso gera um ciclo virtuoso e que merece ser muito bem cuidado e retroalimentado.

Aqui começa nossos esforços comerciais. São clientes de conquista complexa, lenta e que deve ser feita por nossos profissionais mais seniores, e, se oportuno, apoiada pela liderança executiva da Singular. Estes nossos profissionais devem também ter uma vida ativa e ilibada na sociedade onde reside ou trabalha este ótimo investidor. Seus belos saldos investidos devem ser entendidos pelos nossos profissionais como se fossem os filhos mais velhos desses distintos clientes, e assim sendo, seus grandes saldos são figuras importantíssimas na vida desses clientes. Portanto, se nossos profissionais quiserem ser reconhecidos como dignos dessa tarefa, devem dedicar todo carinho e atenção a este “filho mais velho” e a seu pai coruja (investimento e investidor). Mas, atenção: Eles gostam apenas de ser paparicados de forma muito discreta por profissionais seniores que os conheçam bem, ou seja, aqui cabe o mais puro conceito de segmentação: cliente e seu dono. Por fim, o ambiente da agência que atende a esses grandes investidores tem que sempre ser remodelado, buscando cada vez mais discrição no atendimento, claridade, uma sóbria modernidade estética, e ser conduzido por um profissional atualizado.

Politica de taxas de juros para os verdadeiros investidores: Pagar de forma generosa não ultrapassando o “DI” e estruturando, para que o atendimento diferenciado e a AGO permitam construir grandes diferenciais frente aos bancos concorrentes. Para tanto, devem adotar estratégias distintas de reforço na percepção de um ótimo atendimento e uma clara demonstração matemática dos ganhos extras racionais na AGO. Aqui sempre observando que é muito arriscada a política purista de baixar as taxas em função de uma atual situação de excesso de liquidez, já que alguns desses grandes investidores podem ser conquistados por bancos agressivos de atacado, que pagam prêmios bem expressivos, ou podem também ser conquistados por Singulares “concorrentes”, ditas “coirmãs”, que têm os mesmos atrativos legais, e que eventualmente entregam melhores ganhos aos investidores em suas AGOs, convencendo-os que lá a rentabilidade final será compensadora. Ocorre que a saída de alguns destes grandes investidores da nossa carteira de depósito a prazo pode já reverter ou reduzir substancialmente a posição original de excesso de liquidez. Além do que, a reconquista desses clientes é pouco provável, mas se possível, será uma tarefa lenta, árdua e cara.

Então, resta a nossos gestores manter estes verdadeiros investidores confortáveis em sua Singular, e mesmo que, por hora, o custo de captação se iguale ao da sua remuneração. Assim sendo, cabe a nossos líderes dispender esforços para dar vazão rentável, segura e sem concentração para o excesso de liquidez. A falta de liquidez é uma febre muito mais perniciosa que o excesso de liquidez. Por fim, cabe lembrar que, em breve, sairemos do fundo da crise, e a demanda de crédito irá se avolumar. Sendo assim, esperamos que nosso modelo de negócio tenha forte e estável liquidez para facilmente voltar a obter resultados da intermediação financeira entre nossos sócios, deixando para um segundo ou terceiro plano a estratégia de obter lucros através da tesouraria, oriundos da aplicação do excesso de liquidez na centralização, com base em generosas taxas Selics/DIs. Além disso, acreditamos que em pouco tempo estas generosas taxas Selics/DIs que, de forma não saudável comercialmente geraram um ciclo vicioso de ótimas Sobras em muitas Singulares, serão reduzidas pela normalidade do mercado a patamares entre 10% e 8% a.a., assim encerrando este modelo de gestão nada comercial que permitiu ganhos fáceis na centralização financeira. Isso obrigará que as Singulares que realmente desejarem se perpetuar criem “músculos” comerciais para competir em pé de igualdade em um cenário real de “banco de varejo massificado”.

Segundo Grupo – Investidores intempestivos: São clientes inteligentes, mas com pouca informação sobre o mercado de investimentos. Esse grupo de investidores, em alguns momentos de suas vidas, ou do ano, consegue acumular pequenos recursos para investir. Valores médios que costumam oscilar entre 30 e 50 mil. Seus recursos, em média, quando muito, ficam aplicados um ano, e, quando sacam, limpam suas posições, mantendo-as zeradas por meses a fio. Eles têm por hábito atuar fortemente em empreendimentos comerciais e pessoais, onde o ganho é, na visão desses, muito maior que o obtido em aplicações financeiras tradicionais. Outra característica marcante é que muitos deles têm uma intensa e inquieta vida social, familiar e de empreendedorismo, o que faz com que usem seus recursos poupados para atender a esses relacionamentos, retirando suas aplicações facilmente, muitas vezes não observando a data de aniversário da aplicação, taxas aplicadas, tributação etc. Estes investidores intempestivos compõem um grupo de clientes um pouco maior que o primeiro, mas demandam muito mais processo e serviço. Está no DNA desses clientes investirem em soluções seguras e rentáveis, tendo aversão ao risco acima do promovido pela poupança, ou para os mais esclarecidos, há a disposição de assumirem um risco internalizado pelo Governo (“DI”). Por terem “poucos” e “instáveis” recursos para investir, concentram suas aplicações em um único “banco”, onde são melhores atendidos em suas demandas gerais. Uma grande parte desse grupo valoriza a tecnologia disponibilizada por este banco e conseguem através do site desta instituição “encontrar” melhores taxas e processos para aplicar e resgatar seus investimentos. Por aplicarem volumes rotulados pelo mercado como apenas razoáveis, os “bancos” de primeira linha irão lhes pagar de 80% a 85% do DI. Portanto, ao pagarmos esse mesmo percentual, ou até um pouco menos, estamos remunerando muito mais, haja vista que na AGO este ganho pode se transformar em algo próximo ou acima de 100% do DI. Cabe frisar que, apesar de normalmente esse ganho na AGO ficar retido no Capital Social destes sócios, não há tributação sobre ele.

Por serem estes investimentos de aportes e saques de menores monta, devemos ter em mente que será representativo nosso custo de processo e pessoal. E mesmo que o processo de aplicação e resgate seja automatizado por um ou outro cliente, devemos manter o conceito histórico de que este processo é caro e que este cliente obterá remunerações discretas na média do mercado.

Política de taxas de juros para esses investidores intempestivos: É comercialmente defensável pagar menos do que pagamos para o primeiro grupo formado por fortes, informados e tradicionais investidores. Relembrando que há custos de processos atrelados a aplicações e resgates parciais de pequena monta, que tornam a gestão destes clientes muito mais custosa e delicada. Isso sem esquecer de somar na remuneração os ganhos da AGO.

Terceiro Grupo – Poupadores eventuais: São clientes que em situações normais são tradicionais tomadores de crédito de consumo e eventualmente tomam crédito de investimento bonificado por repasses oficiais. Ocorre que eventualmente sua vida social, funcional ou comercial gera algum excesso de recursos, os quais tendem a oscilar entre 5 a 20 mil reais. Esses valores são mantidos e aplicados por pouco tempo e têm custos processuais muito elevados frente a sua baixa rentabilidade para a Singular. São clientes que tendem a ter pouca noção das opções de investimentos e estão aculturados que a boa e velha poupança é um porto seguro para seus investimentos, já que, em conceito, aprendem que ela é segura e permite “ganhos” próximos a inflação. Assim sendo, passam a construir uma referência mental que a poupança é um balizador saudável para seus investimentos. Portanto, mesmo que eventualmente não tenhamos a possibilidade de captar poupança, ou não a desejemos por hora, estes poupadores eventuais são naturalmente receptivos a qualquer solução de investimento que tenha como nome fantasia alguma menção a poupança (Xpoupe; Poupe+;….), como se vê há décadas no mercado bancário e, mais recentemente, em alguns de nossos sistemas cooperativistas de crédito. Essas soluções utilizam o CDB/RDC como pano de fundo na construção de soluções de captação e remuneram com base na poupança.

Politica de taxas de juros para esses poupadores eventuais: Pelo custo do processo, pelo montante, pela vida curta de seu saldo, pelo perfil do cliente, pela pouca opção no mercado para ganhos acima da poupança, acreditamos que a remuneração da poupança oficial deve ser a balizadora destas captações em nossas linhas de depósito a prazo, e, sempre que possível, deve-se decidir por soluções comerciais para que possam investir e resgatar de forma simples e automatizada, se possível atrelando pequenos sorteios para dar mais atratividade a oferta.

Outras ponderações:

• Certamente o tema é muito mais vasto que a exposição de motivos acima descrita, e dependendo da praça ou da Singular, há grandes chances de haver outros grupos de clientes investidores, mas, de forma geral, os três grandes grupos acima contemplam uma parte representativa da carteira de nossas Singulares e do mercado bancário de varejo;

• Apesar de ser raro em nosso modelo, um fator que merece nossa atenção é a implementação de aplicações em depósito a prazo com resgate automático em Singulares que ainda não atingiram um estado elevado de maturidade comercial e de efetiva segmentação. Portanto, aqui, sem discutir se essa remuneração é baixa ou alta, não somos favoráveis a adoção de soluções de aplicação e resgate automático, mesmo tendo a poupança oficial como “lastro”. Uma solução como essa demanda uma Singular com enorme maturidade comercial, algo que ainda estamos construindo. Por fim, essa ação massificada de aplicação e de resgate automático corrompe a relevância do depósito a vista, em especial de seu uso nas Sobras, potencializa um fraco acompanhamento da captação de depósito a prazo, reduz a percepção de aderência do cliente, mina a utilidade do gerente, chama a atenção dos reguladores etc.
Muitos bancos têm aplicações automáticas em poupança dos saldos creditados em conta corrente, gerando uma concorrência direta aos ganhos na AGO, fruto do saldo médio em conta corrente. Isso é algo que já está sendo usado por eles como um argumento diferencial quando uma Singular não consegue remunerar o depósito a vista pelo patamar da poupança nas Sobras, além do que, lá este ganho está sempre liberado na C/C.

• Segmentação eficaz é uma arte, portanto é muito mais que a cópia do modelo ultrapassado dos bancos de varejo massificado, os quais já se apresentam como frágeis comercialmente. Devido a sua importância esse é um dos focos de nossa Consultoria de Gestão Comercial.

• Em praças onde haja pouca concorrência ou nenhuma, pode-se adotar uma tabela de captação distinta, visando reduzir o custo de captação, e que com essas Sobras os ganhos finais possam se manter em um patamar interessante. Recomendamos a releitura do artigo postado em 07/2014: “Taxas e tarifas nas Singulares – Um cardápio para cada cidade”.

• Somos contra a captação em Fundos por Singulares, pois, além de não gerarem funding, elevam o funding dos bancos concorrentes, levando a riqueza local para longe da Singular. E elas também não são definidas como captações na AGO e acabam por “viciar” o sócio com um tipo de “glamour” que não o faz mais querer voltar ao depósito a prazo etc.

• O segredo do varejo está na compra, e não na venda. Na compra somos sempre mais fortes e donos do processo, já na venda somos fracos, pois é o mercado que determina os valores etc.

Importantíssimo. É frágil a ideia de que tendo “x” milhões de excesso de liquidez a Singular está forte e superará facilmente grandes desafios mercadológicos. Isto, pois, mesmo com os primeiros sinais de recuperação da economia já se nota uma saída de grandes aplicações de clientes, que se voltam ao mercado para aproveitar algumas ótimas oportunidades de investimentos, sejam eles produtivos ou patrimoniais. Também se nota a redução dos saldos médios em depósitos a vista e de saque de investimentos para o pagamento de compromissos de pessoas ou empresas próximas ao investidor, entre outros sinais que igualmente demonstram que em breve estaremos com um volume de excesso de liquidez frágil frente aos desafios da Singular. Ao mesmo tempo, qualquer ação um pouco mais agressiva de concessão de crédito, ou mesmo em seu alongamento, consumirá rapidamente uma parte significativa do atual excesso de liquidez. Portanto, estamos diante de dois mundos que devem ser geridos de formas distintas. Um lento e delicado, que é a construção de um bom pilar para fazer frente aos créditos construídos por captações de terceiros, e para as quais pagamos ou temos despesas, como é o depósito a vista e a prazo, e o outro, que é a emocionante gestão da carteira de crédito, onde o cenário é de hiper-rentabilidade tanto quanto for seu risco. Sendo assim, o atual excesso de liquidez mais esconde imperfeições comerciais do que permite afirmar que a Singular está firme e forte para crescer e competir em belos pilares.

Reflexão final: Concordamos que precisamos reduzir os custos na compra de nossa matéria prima – funding (dinheiro para emprestar), mas devemos ter extremo cuidado em nossas decisões quanto à gestão do volume e do custo de nosso funding, sempre primando pela adoção de medidas comerciais que sejam coerentes no médio e longo prazo.

Nossas decisões estratégicas como a gestão do funding devem ser norteadas pelos ensinamentos da Prece Irlandesa, que nos ensina a pensar em ações de médio e longo prazo, focadas em magníficos retornos preferencialmente para aqueles clientes que realmente se portam como importantes para nós e reconhecem nossos esforços e a riqueza do cooperativismo de crédito.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Muitas destas respostas serão debatidas em nosso: 3º Workshop Planejamento Estratégico e Metas com Foco em Competitividade. 24 e 25/10/2016 – Belo Horizonte. Solicite informações

Ricardo Coelho Consult- Consultoria e Treinamento Comercial para Cooperativa de Crédito
41 – 3569-0466 -9973-9495, postado em 05/09/2016 www.ricardocoelhoconsult.com.br

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