Não se distraia com as novas tecnologias, nem com o futuro, por Ricardo Coelho

FinTechsAcompanho a tecnologia como usuário desde 1989 quando adquiri meu primeiro computador pessoal – um MSX Expert da Gradiente com tela monocromática verde de 40 colunas e backups feitos em fita K7. E sendo assim, em 1996, já tendo email com cara mensalidade, dei entrevista a TV local sobre o impacto da internet na sociedade. Nesses trinta anos venho me atualizando, mas cada vez mais como um analista da aplicação e do impacto da tecnologia na cultura geral da sociedade do que propriamente como um bom usuário. Analiso os novos canais e soluções para os tradicionais serviços financeiros, tanto que em novembro participei em São Paulo do Seminário de Fintechs Class e do Encontro WorkLab de Crédito Cooperativo e Start-ups. Nesses eventos viu-se que, através de inovações tecnológicas massificadas, algumas soluções financeiras podem sofrer potenciais rupturas frente aquelas tradicionalmente apresentadas pelos bancos de varejo. Sendo que algumas delas concorreram com as instituições financeiras massificadas, como a sua Singular.

De forma sutil, observamos que nesse movimento comercial também emerge a máxima do mercado, que diz que, onde há choro há uma boa oportunidade de negócio. Sim, pois fica notório que essas Start-ups financeiras, que comumente são rotuladas de Fintechs, avançam onde há ineficácia nas soluções das tradicionais instituições financeiras. Ineficácia essa percebida há anos por uma grande parte dos atuais e potenciais clientes dessas Fintechs que consideram os serviços dos bancos de varejo como um dos piores de nosso mercado. Esse grupo de consumidores julgam as atuais soluções dos bancos como caras, com vícios de qualidade do serviço, etc. Na prática o que se observa é que essas tradicionais instituições são morosas ou até mesmo displicentes ao melhorar eficazmente suas soluções massificadas. E isso pode ocorrer porque esses grandes bancos têm a seu favor uma massa enorme de clientes cativos, dependentes, hiper-rentáveis e com cada vez menos opções de fornecedores. Pode ser também porque analisam que essas melhorias teriam um alto custo frente a um potencial benefício ou ainda porque pensam que essas melhorias podem esperar diante a outras prioridades, além de alegarem terem uma pesada estrutura, enorme logística física e tecnológica, complexidade fiscal e legal etc. Ou seja, os grandes bancos só se movimentam quando é inevitável a perda de receita ou de mercado, mas isso não é o suficiente para dizermos que estão desatentos aos movimentos das Fintechs. Eles são competidores astutos.

As Fintechs estão “mais calmas”: De forma resumida, as Fintechs avançam diante desse aparente estado de desatenção das grandes instituições. Mas já se observa por parte destas inovadoras empresas de tecnologias financeiras, uma prática e um discurso de harmonia com os bancos, pois percebem que, na maioria dos casos, é muito interessante se aproximarem desses líderes para viabilizarem suas soluções tecnológicas. Dessa maneira, aproveitam a escala e os recursos e não ficam a mercê do desenvolvimento de soluções concorrentes dos próprios grandes bancos, os quais certamente irão minar as imaturas soluções de Fintechs. Em contrapartida, vê-se na maioria dos grandes bancos um crescente espaço para desenvolver células próprias de Fintechs, incubando suas próprias novidades e aquelas ofertadas pelo mercado. Isso permite que as somem em sua plataforma de soluções, mesmo que, no futuro, este esforço sinalize uma ruptura com o modelo tradicional do banco de varejo. Resumidamente os grandes bancos sabem que é necessário estarem informados e atuando junto com as revoluções tecnológicas, sem contudo, desdenhar as ações históricas de sucesso que os fizeram chegar nessa posição de destaque nacional. Sabem que se bem gerido esse moderno movimento incrementa receitas e os fazem concentrar ainda mais mercado.

O gorila tomba frente a pequenas abelhas: Nesses eventos, com muita propriedade, também se vê uma premissa milenar: a de que as grandes instituições são como grandes gorilas, que apesar de saberem lutar com animais de porte próximo ao seu, caem desfalecido diante do ataque de algumas dezenas de raivosas abelhas. Abelhas aqui fazem uma menção figurada as Fintechs que de forma rápida e discreta ferroam o mercado tradicional dos bancos de varejo. Surgem do nada e quando o agredido percebe, parte de sua riqueza já foi conquistada por uma Fintechs. Na prática, a lógica de “ataque” das Fintechs é focar em toda e qualquer solução massificada que possa ser retirada da pirâmide engessada de soluções de um grande banco, entregando-as com valores adicionais e de forma amigável a clientes que tenham facilidade com a tecnologia em smartphones.
Não é estranho imaginar que os grandes bancos se acham “imbatíveis” pelos seus crescentes lucros. E, assim, pela falta de tato e humildade, abrem facilmente sua guarda para estas novas “empresas” que ofertam soluções ágeis e antenadas a modernidade tecnológica.

Essas “modernas” soluções literalmente atendem de forma inequívoca aos anseios reprimidos de uma parte relevante de nossa sociedade. Anseios esses, que como se vê pelas soluções ofertadas pelas Fintechs, não são novos e muito menos algo tão complexo que os bancos não possam ou não venham a disponibilizar rapidamente com pequenas melhorias em sua plataforma atual.

Especializam-se em soluções isoladas: Durante os eventos foram apresentados muitos casos interessantes de sucesso que certamente irão fazer com que acompanhemos mais de perto estas dinâmicas novidades. Isso nos ajudará a identificar se elas já são, ou irão gradualmente competir ou mesmo nos apoiar em nossas oportunidades comerciais. Mas cabe aqui observar que são raras as Fintechs que focam em substituir a movimentação simples da conta corrente, mas sim elas têm mais rapidez, conhecimento e sucesso em soluções focadas e que tenham vida própria como: cartão de crédito, crédito parcelado, investimento, câmbio, seguros, cobrança creditícia etc.

Fintechs – foco ainda em baixa renda: É notório que as Fintechs crescem em terrenos onde se ouve em altos brados um choro de clientes, os quais estavam sendo mal atendidos por nós e pelos grandes bancos. Nesse cenário começam a surgir algumas hipóteses quanto as Fintechs, mas gostaríamos de nos apegar a uma delas em especial. É o fato de que a grande maioria destas soluções atende intensamente a clientes de baixa renda, seja formal ou informal. Vê-se de uma forma engenhosa que as Fintechs, não cobram tão caro ou tão diretamente por seus serviços, e mesmo assim conseguem muito bem atender ao interesse dos participantes comercias que juntos permitem a funcionalidade de uma Fintechs (funding, spread, floating, call center, tecnológica etc.). As soluções de Fintechs são desenhadas para serem entregues preferencialmente via smartphone, já que há, na média, um para cada brasileiro que minimamente tenha renda ou acesso a alguma forma indireta de renda. Assim, sendo, essas soluções self service têm um insignificante custo de estrutura e de logística quando comparadas com as de um banco tradicional. Neste cenário, usando muito bem a mídia social digital e a “indicação” natural entre as pessoas próximas de seus clientes, desenvolvem um modelo de negócio que se reinventa facilmente pela interação social e pela sua estrutura leve e dinâmica. Mas sempre é bom observar que essa mesma mídia social que o divulga pode o ferir de morte, talvez ainda mais rápido e sem chance de defesa.

Nubank – Cinco milhões de clientes: O “Banco” eletrônico Nubank é um caso emblemático de sucesso e foi apresentado no Seminário de Fintechs Class. Ele é um testemunho da exposição de motivos quanto ao foco em baixa renda e jovens entrantes no mercado bancário. Os cartões de crédito desse “banco” são ofertados preferencialmente por indicação de já bons clientes e o cadastro é aberto por celular através de foto do cliente e de seus documentos e assinaturas digitais na própria tela do smartphone, tudo já normatizado pelo Banco Central que repassa a instituição à responsabilidade de validar essa documentação. Divulgam ter mais de 5 milhões de clientes via smartphone. São clientes que na imensa maioria são jovens e que não podem (ou não desejam) pagar os tradicionais pacotes de tarifas bancários, mas precisam e/ou desejam ter um cartão de crédito amigável e “de graça”. O Nubank exige indiretamente que o cliente não tenha “restritivo”, podendo estar na economia informal, e os filtra em um processo rígido de escoragem, e na grande maioria dá baixos limites de crédito. As taxas de juros são elevadas no crédito do rotativo do cartão, mas ainda são consideradas por eles como as menores do mercado. É sabido que esse público de baixa renda até então não dispunha de um “banco” focado em seu perfil, já que demandam soluções acessíveis, simples e já testadas no mercado massificado. Aqui destacamos a solução cartão de crédito na função crédito, que realmente “cativa” este público pelas inúmeras facilidades dinâmica de auto-gestão, onde, entre tantas, a de se obter desconto ao antecipar de forma eletrônica pagamentos de compras parceladas feitas no cartão.

Uma pausa oportuna: Prezado leitor, não continuarei a exposição de motivos sem antes fazer uma oportuna ressalva. Relembro do Comandante Rolim que transformou, em meados da década de 1990, a TAM na maior empresa de aviação nacional e, para tanto, além de oferecer um ótimo serviço, implementou alguns “mimos” a seus clientes que foram amplamente divulgados na mídia e em palestras como um exemplo de como obter a maestria em serviços.

Vê-se, então, algo semelhante nos “cases” apresentados pelo Nubank quanto a interação com seus clientes. Fazendo bem feito o óbvio, e com uma agilidade e elevada criatividade na solução dos problemas dos seus clientes e sabendo aproveitar da divulgação maciça desses “cases”, ganham facilmente a mídia digital de forma gratuita e exponencial.

Tanto que cabe aqui ressaltar que no referendado site – “reclameaqui” – há 3.300 reclamações registradas em 2015 e 100% delas foram resolvidas com ótima avaliação pelo cliente. Algo impensável se analisássemos um banco.

Esses “cases” saudáveis, somados a uma ótima plataforma digital nos smartphones e a uma elevada geração de riquezas aos seus “proprietários”, tornam o Nubank hoje um interessante caso. Sim, pois devemos acompanhar com atenção esse modelo de negócio, já que seu pilar de rentabilidade está concentrado em apenas duas fontes de receitas: Uma discreta que são as tarifas ganhas do comércio pelo uso físico do cartão e a outra mais robusta que é o ganho com o financiamento das faturas do cartão de crédito. Importante: O Nubank optou por abrir mão de uma importantíssima fonte de receita que a anuidade do cartão, que em breve muito lhe fará falta. Essa composição pode lhe ser frágil diante de eventuais novas regulamentações na forma do cartão de crédito que pode cancelar a possibilidade do crédito rotativo do cartão de crédito, ou até mesmo na exposição formal ao fisco dos gastos e ganhos de seus clientes formais ou informais. Outro fato que deixa esse modelo de negócio frágil é que são fundos de investimentos externos que, como “sócios”, aportam a quase totalidade do funding para essa operação e sabemos que esses fundos estão lá provisoriamente, e sairão tão logo busquem a realização de lucro na venda de sua parte no negócio (e não na operação). Isso, pois, por enquanto, as informações contábeis sinalizam ainda valores nada interessantes para um futuro próximo. Esses fundos podem inclusive, se a realização de lucros demorar muito mais que o previsto, saírem mesmo com perdas desse investimento, o que seria um péssimo sinal ao mercado. Mas, mesmo diante da possibilidade remota de alguns imprevistos, é claro que atualmente essas Fintechs têm a seu favor um interessante quadrinômio: altas taxas, giro rápido, risco pulverizado e uma clientela cativa, sedenta pelo movimentador e crédito, o que agradaria imensamente os “fornecedores” de funding para esse tipo de “banco”.

Não se perde mercado infiel para as Fintechs: Por mais que possa gerar discórdia, deixo claro minha posição contrária a de um enorme coral por parte de muitos líderes de que as Fintechs trazem fortes rupturas e que colocam nosso modelo de negócio em risco. Posso até concordar se tivermos tratando das exceções de Fintechs que propõe gerir carteiras de investimentos de clientes “jovens”, muito informados e cosmopolitas, ou daquelas Fintechs que permitem que alguns clientes “não fieis” de cartões de crédito possam estar lá enquanto for bom para ele, que é o caso do diferencial do Nuback que não cobra anuidade. Esses clientes dificilmente estariam satisfeitos conosco ou nos rentabilizando, pois são “exigentes”, “estressantes”, poucos rentáveis, “infiéis”… .

Diante dessa exposição de motivos, se trabalharmos direito em nosso nicho, não acredito que haja perda de mercado para uma concorrente Fintechs, mas, sim, a doação gradativa e gratuita daqueles consumidores entrantes nesse mercado ou que não foram ainda foco efetivo das grandes instituições (como nós) ou mesmo consumidores que estejam em nossa base mas não nos interessam. Cabe ressaltar que se observa que uma grande parcela desses clientes tem baixíssima aderência a uma marca ou fornecedor de serviço, de maneira que tão fácil adere a uma solução tecnológica, que amanhã pode já estar deixando-a na busca de ainda mais vantagens ou tecnologia. Estes clientes que optam facilmente por empresas Fintechs compõe um mercado crescente, mas, na minha visão, e acredito na visão do tradicional mercado de bancos, são clientes de baixíssima “fidelização”, compondo um mercado ainda “paralelo” de baixo poder aquisitivo. Mas, caso no futuro uma Fintechs (ou um de seus nichos) for relevante aos bancos líderes, facilmente irão atacá-lo ou mesmo as comprarão, como até hoje, sempre fazem as empresas antenadas e líderes.

Mas estaria certa esta visão por parte de alguns de nossos líderes? Ou há algo acontecendo de forma mais sorrateira e que passa desapercebida de alguns de nosso líderes? Vê-se que de forma exagerada ultimamente alguns líderes dispendem muito tempo e discursos para se sentirem e se portarem como atualizados, como também, eventualmente, dispendem enormes esforços e tempo para minimizarem esta potencial agressão mercadológica. Entretanto, a nosso ver, essa atenção desproporcional ao risco efetivo faz com que esses líderes mergulhem demasiadamente nesse tema, ficando, assim, desatentos frente a sua missão de serem primeiro eficazes quanto ao óbvio comercial sobre seu mercado, que é ser excelente sobre sua base atual de sócios e seu tradicional e cativo mercado, algo que afirmo estar ainda longe do ideal.

Vê-se que alguns líderes dispendem exagerada atenção às Startups financeiras conhecidas como Fintechs, como se a eficácia nesse quesito fosse um passaporte diplomático para estar competindo em um novo mercado muito diferente do qual atuamos.

Reconhecemos que nossos líderes devem nos conduzir antenados as tendências das famílias, da tecnologia, da economia etc., mas sem fugir da sua missão maior de nos fazer competitivos hoje, nos preparando para o futuro de forma harmônica e gradual. Lembrando sempre que o formato de nosso negócio tem fortes valores, preceitos e estruturas que, sem eficácia comercial no presente, não nos permite pensar no futuro.

Penso que é prudente que nossos líderes foquem com maestria na óbvia missão sobre nossa base atual de sócios, já que ela traz muito mais resultado que a tecnologia pela tecnologia. Nós temos tecnologia, e esta evolui a passos largos, mas se esse for o maior diferencial que um de nossos sócios valoriza, devemos presenteá-lo ao concorrente, pois esse nunca será um “sócio construtor”. E é com esta dicotomia de interesses e necessidades que iniciamos a construção da reflexão final.

Reflexão Final: Não nos distraiamos. Acreditamos que as soluções apresentadas pelas Fintechs não têm uma premente relevância e utilidade para nossos sócios, pois já disponibilizamos boas soluções, inclusive via smartphones. Contudo as soluções dadas pelas Fintechs nos dão dicas de onde podemos melhorar de forma fácil e barata, acompanhando de forma plausível esse movimento.

Quando estabilizada e segura à tecnologia pode ser facilmente comprada e implementa, e nossos verdadeiros clientes sabem esperar, já que esse não foi o nosso diferencial tecnológico que valorizaram quando nos procuraram. Esse diferencial é relevante, mas não determinante.

Para o Cooperativismo de Crédito o difícil ainda continua sendo a busca efetiva da aderência de nossos bons clientes, para lhes retribuir com ótimos ganhos como sócios. Esse é o movimento que nos permitirá competitividade e perenidade. Isso feito, o resto se compra.

Sem presente não há futuro.

Concordar é secundário. Refletir é urgente

Ricardo Coelho
Consultoria e Treinamento Comercial para Instituições Financeiras
www.ricardocoelhoconsult.com.br
41-3569-0466 – 9973-9495
Postado 10/01/2017

OBS: Esses temas e dezenas de outros serão tratados de forma assertiva em nosso IV Fórum de Líderes do Cooperativismo de Crédito, a ser realizado em Foz do Iguaçu – PR nos dias 16 e 17 (quinta e sexta) de fevereiro de 2017.

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