Com mais de 20 anos de atuação na área de Fiscalização do Banco Central do Brasil, Harold Espínola tem uma visão clara dos caminhos que o cooperativismo de crédito pode e precisa trilhar para avançar de forma mais rápida e consistente.
Cada vez mais relevante no cenário nacional, o cooperativismo de crédito passa por um momento de grandes oportunidades para intensificar seu crescimento. A oferta de condições diferenciadas e taxas mais acessíveis favorece tal condição, trazendo uma concorrência mais sadia para o sistema financeiro do Brasil e atraindo o interesse tanto de pessoas físicas quanto jurídicas. Ainda mais porque o ritmo da economia brasileira dá sinais que podem trazer certa tranquilidade a investidores. O Copom (Comitê de Política Monetária) divulgou, por exemplo, que a Selic, a taxa básica de juros, será mantida em 6,50% ao ano. Sobre expectativas de taxa de inflação, os índices para 2018, 2019 e 2020 são, respectivamente, 4,4%, 4,2% e 4,0%.
Tão significativas quanto as possibilidades de crescimento são as tarefas a serem cumpridas pelo setor para aproveitar tais chances. É necessário investir em uma comunicação mais ampla e eficiente com os mercados e a sociedade, promover a intercooperação, intensificar a participação dos cooperados, entre outros fatores. Para entender melhor este quadro, a Revista MundoCoop conversou com Harold Espínola, chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias (DESUC) do Banco Central do Brasil. Nesta entrevista exclusiva, o executivo, que é graduado em Engenharia e pós-graduado em Administração, dá mais detalhes sobre a evolução do cooperativismo de crédito e como o BC acompanha o segmento. Acompanhe.
O expressivo crescimento do segmento de cooperativas passa bastante pelo aumento da participação no mercado de operações de crédito voltadas a pessoa jurídica
Como o senhor vê o momento atual do cooperativismo de crédito?
O cooperativismo vem crescendo de forma contínua e consistente ao longo dos últimos anos e apresenta números relativos bem interessantes, como podemos observar no Relatório de Economia Bancária 2017, publicado pelo Banco Central. Também, percebe-se um processo natural e positivo de consolidação e de fortalecimento da gestão, frutos do próprio amadurecimento do segmento. Mas, certamente, há ainda muitas oportunidades a serem exploradas pelas cooperativas na racionalização de estruturas, propiciando ganhos de escala e redução de custos operacionais, sem que isso represente diminuição de relevância de quaisquer dos participantes. A estabilização e a redução da taxa básica de juros, por sua vez, contribuem para reflexões do segmento para a busca de uma gestão cada vez mais proativa de seu equilíbrio econômico-financeiro, com participação efetiva das operações de crédito e da prestação de serviços aos seus cooperados.
Quais são as perspectivas de crescimento neste setor?
O expressivo crescimento do segmento de cooperativas passa bastante pelo aumento da participação no mercado de operações de crédito voltadas para pessoa jurídica e pela sua presença em muitos municípios integrantes da fronteira do agronegócio. A participação nas operações com pessoas jurídicas, calculada com base nas modalidades de crédito relevantes para a carteira das cooperativas, passou de menos de 1%, em 2005, para mais de 8%, em 2017. Esse aumento foi especialmente grande na região Sul, onde no mesmo período passou, em números redondos, de 2% para 17%, e na região Centro-Oeste, de 1% para 10%.
Por se caracterizarem pela forte atuação local e regional, as cooperativas de crédito mantêm-se bem próximas de seus associados e das comunidades, conseguindo com isso mapear as necessidades e os potenciais de cada localidade. Por sua estrutura matricial, acabam amoldando-se a essas particularidades e extraindo oportunidades para o seu crescimento, mesmo em períodos mais desafiadores ou até de crise. É um processo recíproco, pois a comunidade se beneficia e cresce junto. Essa sinergia e esse comprometimento têm propiciado maior estabilidade na inadimplência do segmento e preços competitivos. É um cenário que deve continuar gerando frutos. Cabe comentar que, não obstante tudo isso, as cooperativas começam a explorar centros urbanos maiores, ainda em um processo de aprendizagem.
“Ainda há muita gente que desconhece o conceito do cooperativismo de crédito, e isso é uma grande oportunidade.”
Quais são as preocupações mais importantes de quem busca crédito em uma cooperativa?
Primeiramente, é preciso reforçar que para alguém operar com uma cooperativa de crédito é obrigatório que se associe, isto é, que passe a ser proprietário de parte do capital da instituição. Sendo assim, os cooperados são ao mesmo tempo donos e usuários das cooperativas, participando de sua gestão e usufruindo de seus produtos e serviços. Em sua condição de sócios, os associados se beneficiam da distribuição das “sobras” em caso de resultado positivo. Por outro lado, em caso de resultado negativo, cujo termo correto é “perdas”, há obrigatoriamente o rateio entre eles. Em ambos os casos, a divisão ocorre proporcionalmente às operações realizadas por cada associado. Daí a importância de cada cooperado sempre acompanhar o desempenho de sua cooperativa, especialmente participando das assembleias, nas quais são apresentados os resultados, decidida a sua destinação e discutidos outros assuntos relevantes para o futuro da instituição – enfim, avaliando a gestão. Não devemos esquecer que os dirigentes que conduzem o negócio são eleitos pelos cooperados nessas mesmas assembleias.
O público atraído pelas cooperativas de crédito conhece os conceitos do cooperativismo? As diferenças culturais do País influenciam essa relação nas diferentes regiões do País?
Não podemos generalizar, mas, em muitas cooperativas de crédito ainda há dificuldades para atrair a participação de cooperados em assembleias. Isso, de certa maneira, pode ser um sinal de que nem sempre os associados estão plenamente conscientes dos conceitos do cooperativismo de crédito.
Sim, somos um país grande, com culturas particulares em cada região. No Sul, por exemplo, mas não só, a cultura do cooperativismo de produção está presente há muito tempo, impulsionada pela imigração de pessoas de países onde esse movimento é comum e consolidado. Isso facilita bastante o conhecimento, pois o crédito é apenas um dos ramos do cooperativismo em seu sentido lato, estando todos eles sob os mesmos conceitos ou princípios básicos, como, por exemplo, o da intercooperação. Essa região possui o maior número de postos de atendimento, chegando a mais de 90% de seus municípios, além do maior número de cooperados pessoas físicas, aproximadamente 4,8 milhões, o que hoje representa basicamente a metade dos cooperados do País.
O senhor costuma dizer que a comunicação é um dos grandes desafios para este segmento do cooperativismo. O que está faltando e por que a comunicação é tão primordial?
Sim, é verdade. Comunicar-se efetivamente, ou poderíamos dizer conectar-se, com o seu público é um desafio permanente para qualquer empresa, negócio ou profissional. O cooperativismo de crédito tem maior participação em regiões do Brasil onde as pessoas já dispõem de informações a respeito do segmento. Mas, ainda há muita gente que desconhece o conceito desse movimento e isso é uma grande oportunidade. O endomarketing é forte no segmento, mas há um bom desafio de transposição de suas próprias fronteiras.
Além da comunicação, que outros desafios são tão importantes quanto ao cooperativismo de crédito?
Existem, ainda, muitas oportunidades a serem exploradas pelas cooperativas de crédito na intercooperação e, consequentemente, na racionalização de estruturas. A constante busca pelo aprimoramento de seus gestores e dirigentes é outro ponto bem relevante. Também, um fato que se observa historicamente de forma não incomum em vários tipos de atividades é a perda de identidade de estruturas que passam por processos de crescimento intenso e acelerado. Está aí algo a ser bem observado pelas cooperativas e por seus dirigentes: a preservação da essência cooperativa, mesmo em um mundo em rápida transformação.
Um dos diferenciais das cooperativas de crédito é oferecer condições mais favoráveis, com juros mais baixos. Qual é o impacto no mercado de forma geral?
O Relatório de Economia Bancária de 2017 mostra que é mesmo uma característica das cooperativas a oferta de crédito com taxas inferiores às do segmento bancário. Em algumas linhas essa diferença é maior, como, por exemplo, no empréstimo a pessoa física sem consignação, e em outras os índices ficam mais parecidos, como financiamento de veículos. Essa é uma constatação que contribui positivamente para todos, pois estimula a concorrência, que sempre embute a busca pela eficiência, e traz crédito mais barato para a população, beneficiando mesmo aqueles que não são cooperados. São nuances que vão diretamente ao encontro a pontos da Agenda BC+: “crédito mais barato” e “SFN mais eficiente”.
Como é a relação, a interação dessas cooperativas com o Banco Central? Há regras diferenciadas para essas instituições?
As cooperativas de crédito são instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central e, como as demais, sujeitam-se às normas emanadas do Conselho Monetário Nacional e do próprio Banco. No âmbito legal, há leis específicas para as cooperativas, Lei nº 5.764/1971 e Lei Complementar nº 130/2009. No âmbito das normas, as cooperativas de crédito até respondem a comandos específicos, mas, como conceito geral, elas estão sujeitas ao mesmo arcabouço que promove um adequado ambiente de controles internos, o gerenciamento de riscos e de capital, a governança e a boa gestão, exigido para todas as instituições.
O Banco Central monitora – ou fiscaliza – a atuação das cooperativas de crédito?
O Banco Central supervisiona e monitora a atuação das instituições financeiras em um processo contínuo, e não é diferente para as cooperativas. Uma supervisão abrangente e próxima é a melhor contribuição que o Banco Central pode dar às cooperativas de crédito.
O que a economia brasileira ganha com o crescimento do cooperativismo de crédito?
O crescimento do cooperativismo contribui para uma sadia concorrência no Sistema Financeiro Nacional, propiciando redução de taxas de juros cobradas, ampliando a oferta de crédito e fomentando a eficiência do conjunto das instituições. Destaque-se, ainda, o papel das cooperativas como vetor da inclusão financeira, proporcionando o acesso para pessoas com baixa disponibilidade de atendimento pelo sistema tradicional e, ainda, reciclando a poupança local ao promover o reinvestimento de recursos na própria comunidade – outro ponto da Agenda BC+: “mais cidadania financeira”.
Fonte: mundocoop.com.br