Cooperativismo: um movimento global

Se consolidando no mercado como a chave para desafios e incertezas do futuro, o cooperativismo de crédito tem sido um importante alicerce para a economia global.

Seja no molde colaborativo, na valorização da comunidade ou nos rumos inéditos de mercado, as cooperativas mostram sua força ao redor do mundo e acerca do surgimento de novas tendências econômicas, três temas vem ganhando força nos fóruns internacionais, são eles: projetos de renda básica, economia sustentável e o avanço tecnológico, que juntos representam uma grande oportunidade para o setor.

Pensando nisso, a MundoCoop conversou, com exclusividade, com o vice-presidente assistente na Canadian Credit Union Association (CCUA) – uma associação comercial nacional de cooperativas de crédito que fornece serviços às cooperativas do setor no Canadá e busca defende-las e ajuda-las à alcançar o bem-estar financeiro – que também é o diretor e pesquisador estratégico do Centro Canadense para o Estudo de Cooperativas, Marc-André Pigeon.

Confira qual é a visão do país sobre o atual cenário econômico, como o modelo cooperativo se instaura no Canadá, as possibilidades de conexões com o Brasil e o futuro do ramo crédito nesse novo mundo!

MundoCoop: O cooperativismo é um movimento que tem em seu DNA a resiliência. Como você enxerga a influência do modelo no atual cenário da Covid-19?

Eu vejo isso acontecendo de pelo menos duas maneiras. Em primeiro lugar, acho que a crise deu um novo interesse e energia ao modelo cooperativo, mas como sempre, será importante ver o quão sustentável esse interesse realmente é. Já a segunda maneira é a respeito dos legisladores políticos que podem dar uma segunda olhada no modelo cooperativo como um “lugar” no qual os governos podem se voltar quando querem encontrar apoio para crises econômicas.

Dada a resiliência do modelo e suas profundas conexões com as comunidades, as cooperativas são muitas vezes o principal ou único meio de alcançar grande parte da população de forma eficiente para a entrega de bens e serviços vitais.

Aqui no Oeste do Canadá, por exemplo, as cooperativas de varejo locais geralmente operam a única mercearia em muitos quilômetros. Eles se tornaram um serviço essencial da noite para o dia para os cidadãos locais que não podiam mais viajar para longe para comprar mantimentos e outras necessidades básicas.

MundoCoop: Como você avalia o papel do cooperativismo no contexto do avanço da economia colaborativa? O cooperativismo de crédito pode ser um grande aliado econômico do mundo?

Bem, claramente, as cooperativas são um aspecto importante de qualquer tipo de impulso coletivista, mas somente se entenderem que são parte de um movimento muito maior. E esse nem sempre é o caso com as cooperativas grandes, sendo as de crédito um caso em questão.

Enquanto alguns colocam sua identidade cooperativa na frente e no centro, outros veem isso quase como uma curiosidade. Para aqueles que colocam sua natureza cooperativa no centro de quem são, o apoio para o resto do setor cooperativo torna-se quase óbvio. Eu colocaria a cooperativa de crédito Vancity em Vancouver, British Columbia nesta categoria – eles vivem e respiram sua missão cooperativa em tudo o que fazem, mas ainda administram um negócio de muito sucesso.

MundoCoop: O que você pode dizer sobre o movimento cooperativista no Canadá? Qual é a visão de mundo que o país está tendo na relação do cooperativismo com os novos rumos de mercado?

É um pouco difícil generalizar sobre o movimento cooperativo no Canadá porque o país é muito vasto e variado geograficamente, culturalmente e economicamente.

Na província de Quebec, o movimento cooperativo é vigoroso e crescente. Em Saskatchewan, que já foi o coração do setor, está um pouco estagnado, embora mais presente do que na maioria das províncias. Em geral, eu diria que o movimento cooperativo está se mantendo, mas enfrenta sérios desafios com suas tradicionalmente grandes empresas cooperativas.

Já o setor de cooperativas de crédito está se consolidando ainda mais do que antes e geralmente se afastou do fornecimento coletivo de associações cooperativas. Esses costumavam ser financiados por meio do que se chama de cinco ou dez centrais, que são organizações de segundo nível de propriedade de cooperativas de crédito. Agora, cada uma dessas organizações de terceiro nível (nacional) precisa falar com mais de 240 cooperativas de crédito. É um grande desafio.

MundoCoop: A pandemia acelerou a tecnologia e a inovação em todos os países. Como essas transformações digitais contribuem ou desafiam o cooperativismo, principalmente de crédito?

As cooperativas de crédito do Canadá estão razoavelmente avançadas tecnologicamente. Na verdade, no passado, elas eram líderes em tecnologia e, de certa forma, ainda são.

As cooperativas do ramo foram as primeiras a introduzir caixas eletrônicos no Canadá e, mais recentemente, foram as primeiras a introduzir a captura remota de cheques. Mas o grande desafio que temos pela frente é a digitalização de tudo o que se relaciona a empréstimos! Algumas cooperativas de crédito estão mais adiantadas nessa jornada do que outras, mas a competição é feroz, especialmente com empresas de tecnologia financeira financiadas por capital de risco (Fintechs) e os seis grandes bancos do Canadá que têm grandes bolsos de capital.

MundoCoop: Você acredita que firmar uma intercooperação entre países, como por exemplo Canada e Brasil, poderia ser uma alternativa para superar a crise causada pelo coronavírus? Como manter essa relação pode propagar o movimento mesmo depois da pandemia?

É uma boa pergunta. Não estou ciente de nenhum vínculo particularmente forte entre o setor cooperativo canadense e o brasileiro, mas acho que há oportunidades devido a alguns pontos em comum.

Ambos tem economias que dependem fortemente de commodities, são caracterizadas por espaços grandes, escassamente povoados com muitos centros urbanos, e tem grandes populações indígenas para as quais as cooperativas podem ser e são importantes ferramentas de emancipação econômica. Deve haver oportunidades de aprender uns com os outros ao longo de algumas dessas dimensões, especialmente porque o modelo cooperativo pode ser usado de muitas maneiras interessantes, menos óbvias e em muitos lugares.

MundoCoop: Aqui no Brasil muito se fala que o cooperativismo tem grande potencial de se tornar protagonista nessa nova era econômica. Na sua visão, qual o futuro do movimento? O que diria para as cooperativas globais?

Eu concordaria que existe um grande potencial para o movimento cooperativo, mas somente se os formuladores de políticas e os governos participarem. Em alguns casos, isso significa apenas sair do caminho e não ficar do lado dos IOFs (Investor-owned Firms, traduzido para o português como “Corporações de propriedade de investidores”) – a história das cooperativas está repleta de governos apoiando os IOFs para esmagar as cooperativas que ameaçam a lucratividade corporativa.

De forma mais ambiciosa, também podemos esperar que o governo apoie as cooperativas por meio de políticas, afinal ele é amplamente responsável ​​pela presença de eletricidade, telecomunicações, habitação e outras grandes cooperativas de capital intensivo no Canadá e em outros lugares. O problema de capital/start-up cooperativo nessas áreas é muito grande para as pessoas fazerem isso sem alguma ajuda do governo. E não devemos nos sentir mal por perguntar – IOFs são subsidiados rotineiramente. Nós simplesmente não falamos muito sobre isso. Ao mesmo tempo, temos que ter um pouco de cuidado com as cooperativas ficando muito próximas do governo. A autonomia e a independência são um princípio importante e quando você se aproxima do governo, elas podem ser corroídas e isso pode minar a legitimidade. Tudo é um equilíbrio.

Fonte: mundocoop.com.br

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