Entrevista com Ailton Aquino, diretor de fiscalização do Banco Central

Foi com otimismo em relação ao futuro do país e da economia brasileira que Ailton Aquino assumiu a posição de Diretor de Fiscalização do Banco Central em 2023. Atuante dentro da entidade há 25 anos em outras frentes, ele também se tornou o primeiro negro a ocupar um cargo na diretoria do BC.

Em recente sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Ailton destacou que é um trabalho desafiador supervisionar todo o universo de instituições bancárias e não bancárias em um país tão vasto e complexo, mas é algo fundamental, principalmente para evitar e reverter crises.

Além de uma visão realista e necessária para auxiliar no crescimento próspero do país, o Diretor é um grande aliado do cooperativismo, reconhecendo no movimento como propulsor do desenvolvimento socioeconômico, em especial a nível regional.

Em bate-papo exclusivo com a MundoCoop, Ailton Aquino trouxe um pouco da sua perspectiva tão importante sobre o cooperativismo de crédito, muito incentivado pelo BC nos últimos tempos, sobre o Sistema Financeiro Nacional, em constante transformação, e sobre os desafios que definirão os próximos passos da economia brasileira.

CONFIRA!

O cooperativismo de crédito cresce a passos largos, sobretudo apoiado pelo Banco Central. Como o Senhor analisa o crescimento do setor diante das metas estabelecidas pela agenda BC#?

Não é por acaso que o cooperativismo integra a agenda estratégica do Banco Central, a BC#. É por reconhecer a grande contribuição do SNCC para a sociedade brasileira que o Banco Central apoia e trabalha diuturnamente, por meio da regulação e da atuação da supervisão, para fomentar as atividades e negócios das cooperativas, para fortalecer a governança cooperativa e aprimorar a organização sistêmica do segmento. Esses são os três eixos do novo marco legal do cooperativismo de crédito, resultado de intenso diálogo, incansáveis debates, discussões e sobretudo da parceria entre esta Casa e os diversos atores do cooperativismo.

Esse diálogo, essa relação construtiva, certamente é um dos alicerces que ajuda a explicar o desenvolvimento recente do setor, que pode ser potencializado com os diversos aperfeiçoamentos da lei, que serão em breve regulamentados.

Uma das particularidades do cooperativismo é sua capacidade de desenvolvimento regional. Apostar na intercooperação é um caminho para tornar esse um fator também nacional? Por que esse princípio tem sido tão incentivado pelo BC?

É inegável que o Sistema Financeiro Nacional está passando por uma drástica e veloz transformação, se tornando cada vez mais digital e se modernizando para oferecer à sociedade maior conveniência, agilidade, competitividade, segurança, inclusão e sustentabilidade. Neste contexto é imprescindível que qualquer instituição financeira avalie continuamente seus modelos de negócios e suas estratégias. As cooperativas de crédito, especificamente, devem estar atentas e preparadas para o futuro, sem, entretanto, esquecerem o seu propósito, que em última instância é a oferta de produtos e serviços que gerem o maior benefício possível aos cooperados. Sem esquecerem os seus princípios seculares, sua identidade e sua essência.

“DE TODOS OS PRINCÍPIOS, A INTERCOOPERAÇÃO E O INTERESSE PELA COMUNIDADE TALVEZ SEJAM OS QUE TENHAM O POTENCIAL DE TRAZER MAIS VALOR PARA OS COOPERADOS E PARA AS COOPERATIVAS”

Quais os maiores desafios do sistema financeiro nacional atualmente? Como as cooperativas podem se preparar para ultrapassá-los e quais os pontos que demandam maior atenção?

Os desafios não são poucos. Nessa transformação exponencial em que nos encontramos, a cultura organizacional e o modelo de negócios das instituições que as trouxeram até aqui podem não ser os mesmos que vão conduzi-las ao futuro. Inovar, se adaptar e ser competitivo é crucial. Em um mar de opções no sistema financeiro, todo mundo está lutando arduamente pela principalidade. Especificamente para as cooperativas, isso passa pelo relacionamento próximo com o cooperado, apesar de cada vez mais digital. Passa também por fazer com que a sociedade conheça e entenda o modelo de negócio das cooperativas. Para isso, é fundamental que os atores do SNCC demonstrem para toda sociedade fatos e dados que demonstrem efetivamente todos os benefícios, as externalidades positivas e os ganhos para a sociedade decorrentes da atuação das cooperativas de crédito em seu conjunto.

MOMENTO DE MUDANÇAS

O desenvolvimento tecnológico e a aposta na inovação foram fatores muito presentes no sistema financeiro brasileiro nos últimos meses. Como modalidades como Open Finance e o Drex, por exemplo, estão moldando o futuro e o mercado?

O Open Finance e o Drex são projetos estruturantes com potencial para modificar significativamente o setor financeiro. São iniciativas que, por meio do uso seguro de tecnologias inovadoras, fornecerão o alicerce para o desenvolvimento de novos modelos de negócios, bem como para aprimorar a gestão de riscos e os processos de negócio atualmente existentes.

Esses projetos são iniciativas tão importantes ao BCB, que fazem parte da dimensão “Competitividade” da Agenda BC#, que é uma pauta de trabalho focada na evolução tecnológica para desenvolvimento de questões estruturais do sistema financeiro.

O Open Finance está inserido em um contexto de uma nova economia, onde o “dado” é algo valioso e o consumidor de serviços e produtos financeiros é o dono de seus dados. Assim consegue promover um ambiente seguro para que clientes de produtos e serviços financeiros compartilhem suas informações com as diferentes instituições autorizadas pelo BCB.

Os clientes se beneficiam de diversas maneiras, tais como o surgimento de novos modelos de negócio com centralidade no cliente, a integração de serviços financeiros, a redução da assimetria de informações, possibilitando uma melhor gestão de riscos e oferta de produtos e serviços cada vez mais ajustados ao perfil do cliente e às suas necessidades, com melhores preços e menores taxas de juros.

Os números atuais do Open Finance demonstram seu potencial para impactar o futuro do SFN, são mais de 40 milhões de consentimentos para o compartilhamento de dados, gerando mais de 1 bilhão de chamadas entre instituições semanalmente. Na frente de pagamentos, o volume de operações com o Open Finance vem crescendo permanentemente.

De forma semelhante, o Drex terá um papel fundamental para a economia digital. O Real em formato digital possui grande potencial a ser explorado, como conferir maior dinâmica aos negócios por meio da automação via contratos inteligentes e eliminação de riscos em decorrência da utilização de uma solução tecnológica com grau adequado de auditabilidade, rastreabilidade e transparência.

É importante reforçar que, cientes das ameaças e desafios presentes no mundo digital, o desenvolvimento dessas iniciativas sempre teve como premissa o estabelecimento de padrões de segurança robustos, possibilitando que a evolução do sistema financeiro seja feita em cima de bases sólidas.

O Senhor assumiu a posição de Diretor de Fiscalização do Banco Central recentemente, mas já possuindo uma grande trajetória e experiência no setor. Quais as suas perspectivas econômicas para os próximos anos no país, em especial para o cooperativismo?

Apesar do contexto internacional adverso, a atividade econômica doméstica tem demonstrado crescimento acima do previsto em 2023. O desempenho melhor que o esperado da atividade econômica tem sido acompanhado de um mercado de trabalho em expansão contínua, com salários reais relativamente estáveis.

O BCB considera que não há risco relevante para a estabilidade financeira. O SFN permanece com capitalização e liquidez confortáveis e provisões adequadas ao nível de perdas esperadas. Além disso, os testes de estresse de capital e de liquidez demonstram a robustez do sistema bancário. Assim como o BCB, o mercado financeiro percebe um SFN resiliente. A PEF demonstra que agentes do mercado financeiro reduziram suas percepções de risco, principalmente em relação aos riscos fiscais e ao cenário internacional. Além disso, as instituições pesquisadas informaram redução na probabilidade de materialização de riscos.

A confiança na estabilidade do SFN segue elevada, próxima à máxima histórica. O financiamento à economia real permaneceu desacelerando, em linha com o ciclo de política monetária e com a percepção de risco de crédito.

Alta alavancagem de famílias e taxas de juros elevadas contribuíram para a continuidade da desaceleração do crédito às Pessoas Físicas, especialmente nas modalidades mais arriscadas, como cartão de crédito e crédito não consignado. Os critérios de concessão de crédito às famílias se tornaram mais restritivos em função das perdas recentes.

No caso das Pessoas Jurídicas, a carteira bancária cresce a taxas cada vez menores em todos os recortes, com destaque para a redução no crédito a grandes empresas. Para essas companhias, o mercado de capitais se mantém como fonte relevante de financiamento. Apesar dessa desaceleração do crédito às empresas, não se percebe alteração importante na estimativa de qualidade das concessões. Esse fator demanda atenção dada a pressão sobre a capacidade de pagamento das micro, pequenas e médias empresas.

As instituições financeiras reduziram o apetite ao risco, mas o cenário ainda requer cautela.

O contexto de elevado endividamento continua se manifestando na materialização de risco de crédito. A inadimplência e a carteira considerada de maior risco permanecem aumentando no crédito para micro e pequenas empresas, e, em menor grau, no crédito às famílias. Em relação às micro, pequenas e médias empresas, não há sinais de reversão no curto prazo, em especial nas microempresas. Já quanto às famílias, apesar da capacidade de pagamento também pressionada, a maior qualidade das contratações recentes indica melhora nos meses vindouros.

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Por Fernanda Ricardi – Entrevista exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 115

Fonte: https://mundocoop.com.br/destaques-da-revista/entrevista-destaques-da-revista/o-fator-cooperativista-no-sistema-financeiro-nacional/

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