Nova Lei Complementar traz profundas mudanças para o Cooperativismo Financeiro

Artigo de autoria de: Abelardo Duarte de Melo Sobrinho, Marden Marques Soares e Miguel Arcanjo Neto.

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A Lei Complementar 196, de 24 de agosto de 2022, trouxe aprimoramentos significativos na LC 130/2009 no intuito não apenas de preencher lacunas e imprecisões que eram objeto de interpretações nem sempre condizentes com os princípios almejados, mas também modernizar o marco legal e consolidar os avanços já alcançados pelo cooperativismo financeiro, adaptando-o ainda mais às especificidades do Sistema Financeiro Nacional.

É preciso ter consciência de que esse novo passo traz como pano de fundo, mais uma vez, a resposta que o segmento deu aos anseios do Estado brasileiro na luta incessante contra a desigualdade, via acesso dos mais humildes à dignidade de uma conta corrente e aumento da competitividade, o melhor antídoto para redução do custo de intermediação. De fato, embora o fortalecimento do setor remonte ao final dos anos 90 e início de 2000, fazemos aqui um corte para mensurar sua evolução após a edição da LC 130, em 2009. Por exemplo, segundo dados do BCB, consolidados pela M2AC Consultoria, em 13 anos as operações de crédito e as captações do segmento cresceram a taxa média anual superior a 20%, 14 pontos acima da inflação anual média de 6,6% no mesmo período.

Além dos avanços legais e normativos, é inegável que esse crescimento tem outro grande pilar na adesão cada vez maior aos princípios de organização sistêmica que fez com que o número de cooperativas singulares saísse de cerca de 1.300 no início de 2000 para 815 em junho de 2022, sem perda, porém, de capilaridade, porquanto os pontos de atendimento, ainda segundo dados do BCB, alcançaram 7.667 na mesma data, numa relação de 9,4 pontos para cada cooperativa, sabendo-se que em 2000 ela era “um por um”. Desconsiderando-se dessa base as 163 cooperativas de capital e empréstimos, de natureza mais simplificada, a relação pularia para a média de 12 pontos de atendimento para cada unidade cooperativa.

Esse cenário positivo e a necessidade de modernização legal e normativa levaram o Deputado Federal Arnaldo Jardim a apresentar em 2020 o PLP 27 que, após discutido e aprovado na Câmara e no Senado, foi sancionado, em 22 de agosto último, pelo Presidente da República, sem vetos, e convolado na Lei Complementar 196.

Entretanto, estaria o sistema cooperativista como um todo preparado para conhecer as oportunidades e enfrentar os desafios dos acréscimos e aprimoramentos promovidos? Em modesto caminhar, entendemos que não. Até porque muitas das nuanças ainda dependem de regulamentação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil. Tudo que é novo, especialmente no campo legal e normativo, necessita de tempo para maturação. Por um lado, é certo que as lideranças do sistema já promovem a necessária divulgação da nova lei; por outro, entendemos que quanto maior for o leque de opiniões e discussões, maior também será a compreensão do conjunto para que o futuro conduza o cooperativismo ao patamar que ele ainda necessita ocupar no cenário econômico-financeiro do Brasil.

Nesse sentido, segundo estudos que conduzimos, foi possível quantificar 12 campos de atividade que serão diretamente afetados pela nova Lei Complementar. Confira-se o resumo abaixo:

I. Regulação das Confederações de Serviços constituídas exclusivamente por cooperativas centrais de crédito
Sim, cooperativistas, independentemente de não exercer atividades financeiras, as Confederações de Serviços constituídas por cooperativas centrais serão também regulamentados pelo CMN e pelo BCB, com prazo de até 180 dias a partir da vigência da nova lei para que as atuais Confederações (Sicoob e Sicredi, no caso) solicitem autorização de funcionamento ao BCB.

II. Ampliação das oportunidades de captação de recursos
Os principais comentários sobre esse tema são:
a) captação de Prefeituras apenas onde a cooperativa possua unidade física;
b) os fundos públicos não estão restritos aos de financiamento constitucionais (FNE, FNO e FCO), mas também de outros tantos constitucionais ou infra institucionais que giram em torno de nossa economia;
c) permissão para gerir fundo de aval no âmbito do Sistema de Garantia de Crédito; e
d) prestação de serviços a entidades integrantes do setor público, quebrando a exclusividade dos bancos.

III. Área de Atuação
Redefinição desse conceito, mediante seu desmembramento em Área de Ação e Área de Admissão. A primeira contempla os municípios em que unidades físicas (sede ou pontos de atendimento), definidos no estatuto; a outra, para alcançar pessoas domiciliadas em qualquer localidade do território nacional, desde que atendidas as condições de reunião, controle, realização de operações e prestação de serviços. Tal dispositivo vai ao encontro de antiga proposta do BCB/Deorf de dispensar alteração estatutária para inclusão de municípios integrantes da Área de Admissão.

IV. Compartilhamento de Risco de Crédito
Previsão legal do que, a rigor, as normas já contemplam com o Sistema de Garantia Recíproca entre filiadas, com ganhos nos limites operacionais;

V. Quadro Social
Inclusão de entes despersonalizados e conselhos de fiscalização profissional.

VI. Governança (Representatividade e Participação, Direção Estratégica, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal)
Tópico que trouxe mudanças relevantes comparativamente aos cenários legal e regulamentar até então existentes. Confira-se:
a) adota a segregação de funções estratégicas e executivas para todas as cooperativas que dispuserem de Conselho de Administração e Diretoria Executiva;
b) veda à acumulação de cargos de presidente ou vice-presidente de Conselho de Administração ou de diretor executivo em cooperativas do mesmo sistema e, bem assim, em fundos garantidores, a não ser quando autorizado pelo CMN;
c) veda o exercício simultâneo do cargo de conselheiro fiscal em singular, central ou confederação com os de conselheiro de administração em cooperativa singular e de diretor executivo em cooperativas do mesmo sistema;
d) transfere ao CMN competências para fixar condições sobre: i) renovação de membros dos conselhos de administração e fiscal; e ii) representação por delegados;
e) admite a possibilidade de contratação de conselheiro independente, não associado;
f) faculta a constituição de Conselho Fiscal para cooperativas que possuam Conselho de Administração e Diretoria Executiva;
g) extingue o cargo de suplente para conselheiros de administração e fixa apenas um suplente para o Conselho Fiscal;
h) reconhece as assembleias à distância ou simultaneamente presencial e à distância, mediante regras específicas;
i) dispensa de tríplice convocação de assembleias gerais;
j) amplia a finalidade do FATES que agora, em sintonia com o princípio de interesse público, pode também ser destinado à assistência aos empregados, associados e seus familiares e à comunidade.

VII. Capital e Quotas-Partes
Esse módulo objetiva fortalecer o patrimônio líquido das cooperativas, via:
a) admissão de pagamento de vantagens a cooperados em campanhas promocionais de aumento do quadro social, sob aprovação do Conselho de Administração a partir de regulamentação do CMN;
b) concessão do prazo de cinco anos para que os recursos não procurados relativos ao capital, sobras ou juros sobre o capital sejam transferidos para o fundo de reserva;
c) esclarecimento que, na hipótese de devolução de capital em cooperativas com insuficiência de limites operacionais, além da impossibilidade de pagamento, os recursos devem permanecer no patrimônio líquido; e
d) segurança jurídica sobre a impenhorabilidade do capital.

VIII. Incorporação e Cessão de Perdas
Veda coobrigação da incorporadora no financiamento do Fundos Garantidores e estabelece critérios para cobrança das perdas cedidas.

IX. Ampliação das competências do Conselho Monetário Nacional
O CMN foi investido de várias outras competências, inclusive com poderes para estabelecer condições diferenciadas em relação à Lei 5.764/71. A regulamentação dessas competências, estabelecida no art. 12 da LC 130/2009, com as alterações promovidas pela LC 196/2022, será essencial para compreender a amplitude das mudanças promovidas.

X. Sigilo Bancário
Amplia e esclarece condições para compartilhamento de informações e o dever de sigilo entre BCB, fundos garantidores e entidades de auditoria.

XI. Regras para desfiliações
A partir de agora a desfiliação de cooperativa singular, quer por iniciativa própria ou da Central, só pode ser consumada caso ela esteja enquadrada nos limites operacionais. Quando de iniciativa da própria singular foram também criados quóruns qualificados para aprovação dos associados que não mais levam em conta a presença na Assembleia Geral, mas sim o Quadro Social, ou seja: a) maioria dos associados, se for para ficar independente; ou maioria dos associados votantes, desde que represente, no mínimo 1/3 dos associados, se for para se filiar a outra cooperativa central.

XII. Intervenção de Centrais ou Confederações em cooperativas de crédito em situação de risco de continuidade
Medida que vai além da gestão compartilhada, uma vez que dá competência para o interventores afastaram administradores, sem necessidade de decisão assemblear. Sua execução, porém, depende de autorização do BCB, obedecida futura regulamentação do CMN.

Como se vê, é extenso o rol de novidades que, em grande parte, ainda requer regulamentação do CMN e do BCB. Tal fato, no entanto, estimula ainda mais a necessidade de compreensão das oportunidades e desafios que se avizinham. Até porque o sistema deve estar preparado para opinar sobre provável consulta pública que venha a ser formulada pelo BCB na esperada adaptação das normas ao novo teor legal.

Nesse sentido, a M2AC Consultoria, com a experiência dos sócios signatários, desenvolveu estudos qualificados, artigo por artigo, apresentados minuciosamente em quadro comparativo entre o que era a LC 130/2009 e como ela ficou após a LC 196/2022, com comentários específicos que objetivam primordialmente enriquecer as discussões que, certamente, farão parte do cenário cooperativista dos próximos anos.

Para maiores detalhes, acesse o site: https://www.consultoriamac.com/capacitacao.

Por: Abelardo Duarte de Melo Sobrinho, Marden Marques Soares e Miguel Arcanjo Neto

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